Na Venezuela, inteligência artificial é alternativa para veicular notícias sem expor jornalistas

Programa usa apresentadores criados em computador para ir ao ar sem colocar os profissionais de mídia na mira do regime

Com o aumento da repressão na Venezuela, um programa de notícias recorreu à inteligência artificial para seguir veiculando informações sem colocar em risco a segurança dos jornalistas. Para isso, criou em computador os apresentadores que aparecem no vídeo. As informações são da rede CNN.

“Neste momento, ser jornalista na Venezuela é um pouco como ser bombeiro”, afirmou Carlos Eduardo Huertas, um operador de mídia colombiano que coordenou o lançamento do programa Venezuela Retweets. “Você ainda precisa atender o incêndio, mesmo que seja perigoso.”

Os apresentadores virtuais sequer têm nome: homem é chamado de El Pana (O Cara, do espanhol), enquanto a mulher é La Chama (A Garota). Eles sequer apresentam notícias produzidas no próprio programa, e sim reproduzem conteúdo jornalístico extraído das redes sociais. Huertas explica que a missão deles não é “substituir jornalistas, mas protegê-los”.

Bandeira da Venezuela (Foto: Beatrice Murch/WikiCommons)

Um relatório publicado pela ONU (Organização das Nações Unidas) nesta semana justifica a cautela do programa noticioso com seus profissionais de imprensa. O documento diz que o presidente Nicolás Maduro “intensificou drasticamente os esforços para esmagar toda a oposição pacífica ao seu governo”.

A repressão se intensificou após a eleição presidencial de julho,. à qual se seguiram protestos populares contra a vitória de Maduro. Ele alegou que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) concedeu-lhe a vitória com 51% dos votos, resultado classificado como fraudulento pela oposição. Esta, por sua vez, diz que seu candidato Edmundo González venceu com 70% dos votos.

Muitos venezuelanos, então, foram às ruas protesta, e a resposta das forças de segurança foi violenta. De acordo com a ONG Human Rights Watch (HRW), autoridades venezuelanas e grupos armados pró-governo conhecidos como “coletivos” cometeram abusos generalizados, incluindo assassinatos, detenções e processos arbitrários e assédio a críticos.

O relatório da ONU endossa tais alegações. Ao menos 48 pessoas foram detidas antes da eleição sob a acusação de conspirar contra o governo. Em julho, a Missão de Apuração de Fatos documentou mais de 120 pessoas presas por manifestarem oposição ao regime, e na primeira semana de protestos houve mais de dois mil detidos, alguns acusados ​​de terrorismo. Os alvos são militares, defensores dos direitos humanos, jornalistas e membros da oposição política.

“As vítimas e uma grande parte da população estão expostas ao exercício arbitrário do poder, com a detenção arbitrária usada sistematicamente, com graves violações do devido processo”, disse Francisco Cox, especialista da ONU. “A Missão havia alertado anteriormente que o governo poderia ativar seu aparato repressivo à vontade, e é precisamente isso que estamos observando agora.”

O Espacio Publico, grupo que monitora a liberdade de imprensa, diz que ao menos 16 jornalistas foram detidos na repressão do governo pós-eleição e que apenas quatro deles foram libertados. Os outros 12 seguem presos, alguns sob a acusação de terrorismo.

Segundo Roberto, editor-chefe de uma publicação digital de Caracas que integra o coletivo por trás do Venezuela Retweets, funcionários da empresa dele chegaram a pedir demissão com medo de que passassem a sofrer perseguição do governo.

O jornalista, que usa um pseudônimo para tentar se esconder, diz que mesmo toda essa cautela não parece suficiente. “Ainda vivemos na Venezuela e, no final das contas, estamos em risco, apesar de todas as medidas que podemos tomar”, disse Roberto.

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