Sem embaixador em Washington, China evidencia a profunda crise com os EUA

Analistas tentam decifrar o que está por trás da demora de Beijing em apontar seu próximo representante diplomático nos EUA

Já são mais de três meses sem que a China tenha definido oficialmente quem será o próximo embaixador do país nos EUA. Xie Feng, atual vice-ministro das Relações Exteriores chinês, tende a ser o escolhido, um processo que carece de burocracia e poderia ser finalizado rapidamente pelo Partido Comunista Chinês (PCC). A demora, porém, soa como um recado de Beijing a Washington e expõe a profunda crise entre as duas maiores potências econômicas do mundo, de acordo com o jornal South China Morning Post.

“Acho que eles estão fazendo uma revisão em grande escala em Beijing do que está acontecendo, questionando se vale a pena investir no relacionamento diplomático”, analisa Charles Freeman, pesquisador visitante da Universidade Brown e intérprete do ex-presidente norte-americano Richard Nixon na histórica viagem à China em 1972.

Para se ter ideia do que significa a longa ausência de um representante diplomático, a última vez em que isso ocorreu por tanto tempo foi em 1995. Na ocasião, Beijing chamou o embaixador Li Daoyu de volta após Washington autorizar a visita de Lee Teng-hui, ex-presidente de Taiwan, ilha que a China considera parte do seu território e com quem não admite que outros países tenham relações diplomáticas. O cargo ficou vago na ocasião por dois meses.

Xie Feng, vice-ministro das Relações Exteriores da China (Foto: chinadaily.com.cn)
Nome quase certo

Xie Feng tornou-se favorito ao cargo no dia 24 de março, quando desempenhou papel de destaque em uma reunião com executivos norte-americanos. Diferente do que ocorre nos EUA, onde uma série de procedimentos burocráticos é necessária para apontar o ocupante de um cargo de tamanha magnitude, na China a escolha cabe apenas ao PCC.

“Beijing não tem Senado, nem audiências no Congresso. Está decidido”, disse Zhiqun Zhu, professor da Universidade Bucknell. “Acredito que haja aqui alguma arrogância, uma forma de Beijing mostrar seu descontentamento. Você quer que o país anfitrião saiba que você não está feliz e que, com sorte, tratará bem o novo embaixador”.

Independente de quem seja o escolhido, sabe-se desde já que não terá missão fácil. O antecessor, Qin Gang, tinha acesso limitado aos altos funcionários da Casa Branca, não muito diferente do que ocorre com o representante norte-americano na China, Nicholas Burns. “Eles não falam conosco”, disse em outubro do ano passado o diplomata norte-americano em um podcast da revista Foreign Affairs.

Na ocasião, Burns declarou ainda que Washington vinha trabalhando sem sucesso para tentar reduzir o distanciamento. “E devo dizer que queremos chegar a um lugar onde possamos expor nossas diferenças de maneira muito detalhada, ir além de nossos pontos de discussão e ter conversas reais sobre como baixar a temperatura”.

De acordo com Rorry Daniels, diretor-gerente do think tank norte-americano Asia Society Policy Institute, não há uma mudança de cenário à vista, e o futuro representante da diplomacia chinesa nos EUA “entrará em um campo minado”.

“A China quer ter uma ideia se estão realmente falando sério sobre descobrir uma maneira de diminuir a temperatura ou não”, afirma Dimitar Gueorguiev, professor associado da Universidade de Syracuse que estuda a política chinesa.

Desconfiança chinesa

Os sinais que chegam de Beijing sugerem que, por lá, ninguém acredita muito nas palavras de Burns. Na visão de analistas, o governo chinês devolve a acusação feita por Burns e alega que seus esforços para reduzir a tensão são repelidos pelo governo Biden.

Daniels usa o voleibol como metáfora para mostrar como Beijing enxerga atualmente as reações de Washington a cada tentativa de reaproximação. “Como eles lidam com esse ambiente em que sentem que a bola está na quadra dos Estados Unidos, mas, em vez de devolvê-la para o outro lado da rede, os Estados Unidos dão uma cortada?”, questiona.

Fato é que a ausência de um embaixador não faz bem à China. “O principal enviado serve como os olhos e ouvidos dos formuladores de políticas em casa. E, dada a obsessão da diplomacia com a reciprocidade e o protocolo, um encarregado de negócios nem sempre é um substituto aceitável durante uma crise”, analisa o South China Morning Post.

Como diz o professor Zhiqun Zhu, tal situação apresenta a Beijing um dilema, reduzindo ainda mais a possibilidade de que as tensões sejam contornadas. “Você não tem um embaixador aqui quando as relações estão ruins. Mas, sem um embaixador, elas não podem melhorar”.

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