O Judiciário de Hong Kong anunciou na quinta-feira (3) as condenações de 14 pessoas no maior julgamento realizado no território contra dissidentes pró-democracia desde que foi estabelecida a lei de segurança nacional, em 2020. O caso tinha 47 réus, sendo que outros 31 haviam se declarado culpados previamente e dois foram inocentados.
Os acusados haviam realizado eleições primárias a fim de definir quem os representaria nas eleições legislativas de 2020, mais tarde adiadas devido à Covid-19. À época, a então chefe executiva da cidade, Carrie Lam, disse que a ação era ilegal com base na lei de Segurança nacional, e os envolvidos acabaram acusados de “conspirar para subverter o poder do Estado.”
Embora as condenações tenham sido anunciadas pelo Judiciário na quinta, as penas só serão conhecidas posteriormente. Os réus estão encarcerados há cerca de três anos, e o veredito desta semana gerou críticas globais.

“Esta condenação em massa sem precedentes é a ilustração mais implacável de como a lei de segurança nacional de Hong Kong é utilizada como arma para silenciar a dissidência. Representa uma purga quase total da oposição política e destaca a rápida desintegração dos direitos humanos em Hong Kong”, disse Sarah Brooks, diretora da ONG Anistia Internacional na China.
Ainda segundo Brooks, as sentenças “enviam uma mensagem assustadora a qualquer pessoa em Hong Kong que se oponha às ações do governo, nomeadamente: fique calado ou enfrente a prisão.”
Nos EUA, o deputado Chris Smith e o senador Jeff Merkley, líderes de um painel do Congresso local sobre a China, acusaram o governo de Hong Kong de “destruir” as liberdades individuais e o Estado de direito, de acordo com a agência Associated Press (AP).
“Sejamos claros: os 47 veredictos de Hong Kong violam o direito internacional e as obrigações dos tratados”, disseram os congressista em comunicado, instando ainda o presidente Joe Biden a adotar sanções contra os membros do Judiciário que participaram do julgamento.
Anne Marie Trevelyan, ministra britânica para o Indo-Pacífico, também condenou a decisão. “O veredito de hoje apenas manchará ainda mais a reputação internacional de Hong Kong. Envia uma mensagem de que os habitantes de Hong Kong não podem mais participar de forma segura e significativa no debate político pacífico”, disse ela, segundo a agência Reuters.
Já a diplomacia da União Europeia (UE) afirmou, em comunicado, que a condenação do grupo “marca uma nova deterioração das liberdades fundamentais e da participação democrática em Hong Kong.”
O bloco europeu também se disse “profundamente preocupado com a acusação politicamente motivada dos 47 defensores pró-democracia, a prolongada prisão preventiva e a recusa de fiança para a maioria dos arguidos, minando a confiança no Estado de direito, tal como consagrado na Lei Básica de Hong Kong.”
Por que isso importa?
Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa de 2019.
A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. O antigo texto vinha sendo usado até março deste ano, quando uma nova lei, ainda mais dura, foi aprovada.
Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território.
O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.
Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada.”