Ativistas que denunciaram abusos do governo pegam dois anos de prisão em Bangladesh

Relatório publicado em 2013 documentou execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e violência policial

Dois importantes ativistas de direitos humanos de Bangladesh foram condenados na quinta-feira (14) a dois anos de prisão. Dissidentes alegam que as acusações têm motivação política e estão ligadas a um relatório, divulgado por eles há dez anos, que denuncia abusos das autoridades locais, segundo a agência Al Jazeera.

Adilur Rahman Khan e Nasiruddin Elan lideram a organização de direitos humanos Odhikar e trabalham há décadas na apuração de atrocidades associadas ao governo bengalês. O relatório publicado em 2013 relata execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados de oposicionistas e violência policial.

Ao comentar a sentença estabelecida pelo juiz Zulfiker Hayat, o promotor Nazrul Islam Shami disse que ambos “foram condenados a dois anos de prisão porque publicaram e fizeram circular informações falsas, ferindo sentimentos religiosos e minando a imagem do Estado.”

Adilur Rahman Khan, ativista bengalês (Foto: Facebook pessoal/reprodução)

Khan e Elan foram presos pouco depois da divulgação do relatório, liberados posteriormente e somente agora julgados, às vésperas da eleição geral de janeiro de 2024. Os advogados de ambos alegam que a promotoria foi favorecida durante o julgamento, de forma a facilitar a condenação dos réus.

A Anistia Internacional citou um exemplo nesse sentido. Diz a ONG que a oitiva de testemunhas foi encerrada em 5 de abril deste ano, mas posteriormente o juiz permitiu que a acusação apresentasse um pedido de investigação adicional sem especificar que componente do caso seria investigado.

Diante da tal cenário, analistas, ativistas e inclusive a ONU (Organização das Nações Unidas) têm alertado para o aumento da repressão por parte do governo, que envia assim uma mensagem aos oposicionistas.

“Estamos muito preocupados com a contínua intimidação e assédio de defensores dos direitos humanos e líderes da sociedade civil através de processos judiciais em Bangladesh, incluindo o Prêmio Nobel Mohammad Yunus”, disse Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Segundo ela, “o assédio legal aos líderes da sociedade civil, aos defensores dos direitos humanos e a outras vozes dissidentes é um sinal preocupante para o espaço cívico e democrático em Bangladesh.”

Já Nur Khan Liton, ex-chefe de outra das principais organizações de direitos humanos do país, afirmou que o veredito contra os dois ativistas “enviará uma mensagem assustadora aos defensores dos direitos humanos no país e tornará o seu trabalho enormemente difícil.”

Centenas de desaparecidos

Em agosto de 2021, um relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) apontou que ao menos 86 pessoas estavam à época desaparecidas em Bangladesh, todas vítimas da ação violenta das forças de segurança nacionais. Diz o documento que Daca “ignora apelos de governos doadores, da ONU, de organizações de direitos humanos e da sociedade civil para lidar com a cultura de impunidade.”

O relatório destaca, ainda, que o problema é antigo e não começou no atual governo. Porém, os desaparecimentos forçados, em particular, tornaram-se mais comuns no durante o governo da primeira-ministra Sheikh Hasina.

A HRW, porém, conseguiu apurar apenas uma pequena parcela dos casos, sendo a realidade bem mais terrível. Segundo o próprio relatório, grupos de direitos humanos calculavam quase 600 desaparecidos à força no governo de Hasina, que chegou ao poder em 2009.

Muitas das vítimas foram libertadas ou apresentadas para julgamento após semanas ou meses de detenção secreta. “Outras foram vítimas de execuções extrajudiciais que são falsamente alegados como mortes durante tiroteios”, diz o documento.

O governo insiste em negar qualquer participação nos desaparecimentos. Porém, segundo relatos das famílias de vítimas, as autoridades habitualmente se recusam sequer a abrir investigação a respeito dos desaparecimento, citando “ordens de cima” como justificativa para a impunidade.

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