Ao destacar a importância da colaboração da população civil para o combate à espionagem estrangeira, o governo chinês acabou por revelar uma história inusitada. Através da rede social WeChat, o Ministério da Segurança do Estado da China contou que segredos militares vazados chegaram a ser vendidos em um sebo livros por seis yuans (R$ 4,47). As informações são do jornal South China Morning Post.
O relato feito pelo governo não cita o ano em que o episódio ocorreu e identifica o protagonista apenas pelo sobrenome Zhang, ex-funcionário de uma empresa estatal que tem grande interesse por questões militares. Em sua busca por publicações sobre o assunto, ele foi a um sebo de livros e comprou quatro obras que eram na verdade arquivos secretos ligados ao Exército de Libertação Popular (ELP).
Zhang descobriu o que tinha em mãos quando passou a folhear os livros e se deparou com carimbos de “secreto” e “confidencial” em suas páginas. O Ministério, que revelou o episódio em seu perfil na popular rede social local, alega que o homem entrou em contato com o governo e devolveu o material, o que rendeu elogios ao protagonista.
A publicação no WeChat não informou se os responsáveis foram punidos pelo descuido. O material teria sido doado como descarte a uma unidade de reciclagem por dois indivíduos, identificados apenas como Guo e Li, que segundo o governo tinham “fraca consciência da segurança da informação.” Em vez de recicladas, as publicações acabaram revendidas.
A história de Zhang foi usada por Beijing para ilustrar a importância da colaboração da população para a segurança nacional, uma obsessão do governo atualmente. Por isso, foram implementadas desde 2023 duas leis voltadas a punir mais severamente os casos de espionagem e a preservar dados considerados confidenciais.
Uma das leis, que passou a valer em julho de 2023, amplia a definição de espionagem e aposta em um texto propositalmente vago para se tornar mais abrangente e oferecer maior flexibilidade de acusação. Ao proteger “documentos, dados, materiais ou itens relacionados à segurança e aos interesses nacionais”, ela fornece base legal para punir quaisquer indivíduos ou entidades que Beijing enxergue como uma ameaça a seus interesses.
A normativa legal afeta inclusive o trabalho de jornalistas e empresários estrangeiros operando no país, que desde então precisam ser mais cautelosos em seu trabalho para não serem enquadrados. Segundo Cedric Alviani, da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o texto alcança “praticamente qualquer tipo de informação.”
Um lei complementar entrou em vigor no mês passado, esta para proteger especificamente os segredos de Estado. O texto estabelece uma série de regras para produção, transferência, armazenamento ou descarte de documentos com informações sensíveis, algo que se enquadra perfeitamente no caso do material entregue para reciclagem pelos dois agentes estatais.