Em um esforço para estabilizar o norte de Mianmar, a China mediou um acordo de cessar-fogo entre a junta militar do país e o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA), um dos grupos rebeldes mais ativos da região. O anúncio foi feito na segunda-feira (20) pelo Ministério das Relações Exteriores chinês, que destacou seu compromisso com a pacificação no território vizinho. As informações são da rede Radio Free Asia.
De acordo com a porta-voz Mao Ning, as partes concordaram em interromper as hostilidades a partir da meia-noite do último sábado (18). As negociações ocorreram na cidade chinesa de Kunming, próximo à fronteira com Mianmar, mas os detalhes do acordo ainda não foram divulgados publicamente. “A China está pronta para promover ativamente negociações pela paz e apoiar o processo de reconciliação no norte de Mianmar”, declarou Mao em entrevista coletiva.
A iniciativa ocorre em meio a uma escalada de confrontos no estado de Shan, onde o MNDAA, sediado na região de Kokang, liderou uma ofensiva que resultou na captura de Lashio, uma cidade estratégica para o comércio entre Mianmar e China. O conflito intensificou a instabilidade política do país, governado por militares desde um golpe de Estado em 2021.

Beijing, que mantém fortes interesses econômicos na região, vinha pressionando o MNDAA a negociar, inclusive impondo sanções táticas. Em outubro de 2023, a China fechou a fronteira com áreas sob controle do grupo, interrompendo o fornecimento de recursos essenciais. Na mesma época, o líder do MNDAA, Peng Daxun, foi hospitalizado na China e, segundo fontes, impedido de retornar a Mianmar como forma de pressionar por um acordo.
O futuro de Lashio
Lashio, um importante centro de comércio transfronteiriço, permanece sob controle do MNDAA. Analistas indicam que a situação da cidade será um ponto crítico nas negociações futuras. Até o momento, o MNDAA não deu sinais de recuo, e moradores locais relatam que o transporte e o comércio continuam funcionando normalmente. “Parece que eles mantêm uma posição firme aqui”, disse um residente que preferiu não ser identificado.
Especialistas acreditam que o status de Lashio só será decidido após as eleições planejadas pela junta militar para o final do ano. “O cessar-fogo é apenas o começo. A questão territorial será mais difícil de resolver”, afirmou um analista regional, também sob anonimato.
Impactos humanitários
Com a assinatura do acordo, a China reabriu algumas passagens fronteiriças, restabelecendo o fluxo de alimentos e combustíveis para áreas atingidas pelo bloqueio. Isso trouxe alívio para comunidades locais, que dependem do comércio com a China para sua subsistência. “Os produtos alimentícios estão sendo enviados normalmente, e as restrições à importação de combustível foram reduzidas”, confirmou Nyi Yan, oficial de ligação do Exército Unido do Estado de Wa, outra milícia local.
Embora o cessar-fogo represente um avanço, analistas alertam para os desafios de sua implementação. “Ainda é cedo para saber se ambas as partes cumprirão o acordo”, disse um ex-oficial do exército de Mianmar. “A confiança é baixa, e qualquer provocação pode reacender o conflito.”
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.