Imagens de câmeras de vigilância ajudam a expor a repressão em Mianmar

Gravações possibilitam que cidadãos de Mianmar denunciem a crescente repressão desde o golpe de 1º de fevereiro

A violência da junta que tomou o poder em Mianmar em fevereiro tem sido exposta com a ajuda das câmeras de vigilância posicionadas nas ruas do país. As imagens ajudam a confirmar mortes violentas de opositores do regime, enquanto a junta insiste em tratar tais mortes como acidentais.

Gravações ininterruptas de câmeras de videomonitoramento estão possibilitando que cidadãos de Mianmar denunciem a crescente repressão desde o golpe de 1º de fevereiro, levando os incidentes para além das fronteiras do país asiático.

Um vasto acervo de fotos e vídeos compartilhados nas redes sociais comprova a perseguição e a violência policial contra civis e opositores, usadas pela junta como “ferramentas de terror”.

Como imagens de câmeras de vigilância estão ajudando a expor a repressão em Mianmar
Imagens flagram violência da polícia de Mianmar em Lanmadaw, maio de 2021 (Foto: Reprodução/Twitter/Ro Nay San Lwin)

Cerca de dois mil tuítes e imagens online foram analisados pela agência Associated Press e pelo Laboratório de Investigações do Centro de Direitos Humanos da Universidade da Califórnia. Assim, foi possível identificar mais de 130 casos em que as forças de segurança usaram cadáveres e pessoas feridas para amedrontar a população.

Cenas fortes retratam cadáveres sendo arrancados das ruas e arrastados pelas ruas antes de serem jogados em veículos da polícia. Relatos dão conta de desaparecimentos e prisões seguidas de morte. Muitos dos corpos estavam mutilados e com sinais de tortura.

Desde que a junta militar tomou o poder em Mianmar, 827 pessoas foram mortas, conforme o watchdog Associação de Assistência a Prisioneiros Políticos – um número duas vezes maior que o informado pelo governo.

Civis também relatam cremações e exumações secretas no meio da noite. Outras vezes, famílias enlutadas são forçadas a pagar hospitais militares pela liberação dos restos mortais dos parentes, relataram testemunhas.

Violência histórica

O que parecem incidentes aleatórios, como crianças sendo baleadas enquanto brincam fora de casa, são, na realidade, práticas deliberadas, disse o pesquisador Nick Cheesman, vinculado à Universidade Nacional da Austrália. “Isso é exatamente a característica do terror de Estado”, pontuou.

Em levantes sangrentos, como 1988 e 2007, as cenas se repetiram. A diferença é que, agora, as imagens distribuídas pelo mundo podem comprovar os abusos das forças no poder. E exigir uma retaliação internacional.

A tecnologia consegue precisar o momento exato dos ataques, o local e a forma da violência. Um exemplo é o tiroteio em frente à escola secundária de Azarni Road, na cidade de Dawei, ao sul do país. As câmeras flagram oficiais avançando contra um motorista e um passageiro que circulavam pelo local.

Menos de 15 minutos depois, a foto de uma pedestre ensanguentado circulava no Facebook. Duas horas depois, as imagens do momento exato do ataque já haviam viralizado nas redes sociais.

A história de golpes, controle militar e conflitos étnicos em Mianmar é longa e tumultuada. Uma junta tomou o poder em 1962 após 14 anos de governo civil. Desde então, foram 50 anos de censura, prisões em massa, violência e isolamento.

Em 2011, o país ganhou destaque global ao dar os primeiros passos em direção à democratização. Apesar das novas liberdades e reformas políticas, porém, os militares nunca abriram mão do poder. Em novembro, quando a vencedora do Nobel da Paz Aung San Suu Kyi foi eleita presidente, os militares Tatmadaw acusaram fraude eleitoral.

Estava feita a combinação para o golpe de Estado, concretizado em 1º de fevereiro.

Mianmar em foco

Em prisão domiciliar desde fevereiro, Suu Kiy não tem acesso aos aliados presos e mortos em centros de interrogatórios. O acesso às imagens, porém, dificulta que doadores estrangeiros e nações envolvidas fechem os olhos para a violência em Mianmar.

“É um jogo totalmente novo em termos de evidências”, disse o diretor de Justiça da Human Rights Watch, Richard Dicker. “Isso tornará o processo possível daqui a muitos anos, se necessário”.

Ainda assim, a violência desenfreada dos militares ignora o fato de que estão sendo filmados, e as imagens, postadas online. Um claro sinal da crença de impunidade pelos crimes.


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