Crise entre China e Filipinas gera rara intervenção de bloco regional: ‘Preocupação’

Asean diz seguir 'com preocupação os recentes desenvolvimentos', que podem 'minar a paz, a segurança e a estabilidade na região'

Depois dos EUA, agora foi a vez de a Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) se posicionar sobre a escalada de tensão entre a China e Filipinas decorrente de disputas territoriais no Mar da China Meridional. O bloco regional manifestou “preocupação” com a crise, uma rara e relevante intervenção que expõe o tamanho do problema, segundo informa a rede Radio Free Asia (RFA).

“Acompanhamos de perto, com preocupação, os recentes desenvolvimentos no Mar da China Meridional, que podem minar a paz, a segurança e a estabilidade na região”, afirmaram os ministros das Relações Exteriores dos países do bloco, em comunicado datado de 30 de dezembro de 2023.

“Recordamos e reafirmamos o nosso compromisso comum de manter e promover a paz, a segurança e a estabilidade na região, bem como a resolução pacífica de conflitos, incluindo o pleno respeito pelos processos legais e diplomáticos, sem recorrer à ameaça ou ao uso da força”, acrescenta o texto.

Navios de guerra da marinha chinesa durante treinamento militar (Foto: eng.chinamil.com.cn)

Na última década, o Mar da China Meridional tem sido palco de inúmeras disputas territoriais entre a China e outros reclamantes do Sudeste Asiático, bem como de uma disputa geopolítica com os Estados Unidos quanto à liberdade de navegação nas águas contestadas. 

Manila e Beijing reivindicam grandes extensões da região, uma das mais disputadas do mundo. Vietnã, Malásia, Brunei e Taiwan também estão inseridos na disputa pelos ricos recursos naturais da hidrovia, pela qual passam anualmente cerca de US$ 3 trilhões em comércio marítimo.

A China é acusada de avançar sobre a jurisdição territorial dos demais países, construindo ilhas artificiais e plataformas de vigilância, além de incentivar a saída de navios pesqueiros para além de seu território marítimo. O objetivo dessa política é aumentar de forma gradativa a soberania chinesa no Mar da China Meridional.

Diante de tal cenário, tornaram-se frequentes os incidentes envolvendo embarcações de China e Filipinas. O episódio mais preocupante ocorreu em dezembro, quando um barco da Guarda Costeira chinesa usou canhões de água e colisões propositais para danificar navios filipinos em missões de reabastecimento na Ilhas Spratly, arquipélago alvo de disputa entre as duas nações.

Asean quebra o silêncio

A manifestação da Asean, que se seguiu a outra de Washington, surge na esteira do incidente mais recente. E, de acordo com Shahriman Lockman, cientista político do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (ISIS) da Malásia, é um desdobramento relevante.

“Embora pareça inofensiva e evite fazer referência explícita aos confrontos marítimos entre a China e as Filipinas, a própria existência da declaração é significativa e estabelece um precedente notável”, disse ele, destacando o papel diplomático da Indonésia, que assume a presidência rotativa do bloco em 2024.

Segundo Lockman, a declaração foi influenciada também por países-membros que são pouco suscetíveis à pressão chinesa e têm interesse no Mar da China Meridional.

Paralelamente, a agência Reuters destaca o mínimo avanço do processo coordenado pela Asean e a China para criação de um código de conduta no Mar da China Meridional, plano que remonta a 2002. Apesar do compromisso assumido pelas partes envolvidas, pouco avanço foi registrado desde então.

China x Japão

Quem também sofre com as reivindicações territoriais chinesas é o Japão, que disputa com Beijing o controle das ilhas Senkaku, no Mar da China Oriental. A situação inclusive levou a um fortalecimento da aliança entre Tóquio e Manila, que desde outubro de 2023 negociam um pacto de defesa mútua.

O disputado território é formado por cinco pequenas ilhas e três rochas localizadas aproximadamente 320 quilômetros a sudoeste da província japonesa de Okinawa. As ilhas Senkaku foram nacionalizadas por Tóquio em 2012, gerando a reação chinesa.

Assim, Beijing prometeu em 2024 enviar embarcações militares diariamente à região para pressionar o Japão, de acordo com a revista Newsweek. Atualmente, as principais vítimas da hostilidade chinesa são pescadores japoneses invariavelmente impedidos de trabalhar devido à ação de navios armados.

“Só podemos avançar, não retroceder. Nunca permitiremos que nem um milímetro do nosso território seja tomado”, disse o presidente Xi Jinping em declaração direcionada Guarda Costeira da China.

Intervenção norte-americano

Embora os EUA não tenham reivindicações territoriais na área, há décadas o governo norte-americano tem enviado navios e aeronaves da Marinha para realizar patrulhas, com o objetivo de promover a navegação livre nas vias marítimas ​​internacionais e no espaço aéreo.

Segundo John C. Aquilino, almirante da Marinha dos Estados Unidos e chefe do Comando Indo-Pacífico, a razão da presença de Washington na região é “prevenir a guerra por meio da dissuasão e promover a paz e a estabilidade, inclusive envolvendo aliados e parceiros americanos em projetos com esse objetivo”.

Já a atuação de Beijing, de acordo com o almirante, é preocupante. “Acho que nos últimos 20 anos testemunhamos o maior acúmulo militar desde a Segunda Guerra Mundial pela República Popular da China”, afirmou. “Eles avançaram todas as suas capacidades, e esse acúmulo de armamento está desestabilizando a região”.

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