Dívidas impagáveis tornam a Nova Rota da Seda um fardo financeiro inclusive para a China

Entre 2020 e o final de março de 2023, cerca de US$ 78,5 bilhões em empréstimos foram renegociados ou cancelados

Não existem dados oficiais sobre a quantia investida pela China na Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), uma iniciativa lançada pelo presidente Xi Jinping para financiar obras de infraestrutura no exterior. A estimativa, porém, é de que os projetos somam mais de US$ 1 trilhão. O problema é que as dívidas contraídas por alguns parceiros de Beijing são hoje impagáveis, tornando o investimento um fardo financeiro para credores chineses. As informações são do jornal Financial Times.

Nos últimos anos, entre 2020 e o final de março de 2023, cerca de US$ 78,5 bilhões em empréstimos foram renegociados ou cancelados, conforme dados compilados pela organização de pesquisa Rhodium Group, com sede em Nova York. Para se ter ideia de quanto o problema cresceu, entre o início de 2017 e o final de 2019 haviam sido cancelados ou renegociados apenas US$ 17 bilhões.

Outro estudo, feito por pesquisadores do think tank AidData, do Banco Mundial, da Universidade de Harvard e do Instituto Kiel para a Economia Mundial, aponta que também aumentaram nos últimos anos os empréstimos de resgate, que são valores entregues ao devedor com taxas de juros menores e usados para pagar parcelas em atraso.

Entre 2019 e o final de 2021, tais valores totalizaram US$ 104 bilhões. Considerando um período mais longo, entre o ano 2000 e o final de 2021, os valores atingem US$ 240 bilhões.

Encontro de chefes de Estado que participam da Nova Rota da Seda, em Beijing, em abril de 2019 (Foto: RIA Novosti/Presidência da Federação Russa)
Armadilha da dívida

Principal expoente da política externa de Xi, a BRI usa bancos e empresas chinesas para financiar e construir rodovias, usinas de energia, portos, ferrovias, redes 5G e outros em todo o mundo. Assim, serve para espalhar a influência de Beijing por todo o planeta.

No início, os governos receberam muito bem o dinheiro, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

A inadimplência sempre foi parte da estratégia da China, que a usa como justificativa legal para assumir a gestão de certos projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC) ao assumir o controle de infraestruturas cruciais. Porém, Beijing investe cada vez menos em tal estratégia, pois a inadimplência virou uma bola de neve que os credores temem não poder suportar.

“Francamente, acho que isso é apenas o começo. Os bancos chineses têm interesse em garantir que seus maiores tomadores de empréstimos no exterior tenham liquidez suficiente para continuar pagando suas dívidas de projetos de infraestrutura”, disse Brad Parks, diretor executivo do think tank AidData, da Universidade William and Mary, nos EUA.

Parks, um dos analistas que calculam o total investido pela China na BRI em mais de US$ 1 trilhão, diz que o cenário não deve mudar tão cedo. “Beijing provavelmente estará no negócio de empréstimos de resgate enquanto seus maiores tomadores de empréstimos estiverem em dificuldades financeiras”, afirmou.

E, apesar da reputação cada vez pior da BRI, tamanho o endividamento dos países beneficiados pelo dinheiro chinês, e dos desafios crescentes para os credores, especialistas dizem que a iniciativa não será interrompida.

“Muitos países ainda aceitam investimentos da China sob a estrutura do BRI, e não vejo isso mudando”, disse Francesca Ghiretti, analista do think tank alemão Merics, com sede em Berlim.

Para manter a iniciativa firme, Xi aposta na realização da terceira edição do Belt and Road Forum, que foi realizado antes em 2017 e 2019 e depois sofreu uma interrupção devido à pandemia de Covid-19. O evento, que tende a acontecer neste ano reunindo os cerca de 150 países englobados, servirá para mostrar que a BRI ainda respira.

Entretanto, o presidente chinês deu a entender que o foco será mais regional daqui em diante. Uma tendência justificada pela atual competição com os EUA por influência na Ásia-Pacífico.

“No próximo ano, a China considerará sediar o 3º Fórum da Nova Rota da Seda para Cooperação Internacional, injetando novo ímpeto no desenvolvimento e prosperidade da Ásia-Pacífico e do mundo”, disse Xi em novembro de 2022. “Nas últimas décadas, a cooperação econômica na Ásia-Pacífico se desenvolveu vigorosamente e criou o ‘Milagre Ásia-Pacífico’, que atraiu a atenção mundial”, acrescentou ele, sugerindo que seus vizinhos tendem a ser, a partir de agora, os principais parceiros da China em seu principal projeto de política externa.

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