Sob Xi, China reformulou suas Forças Armadas e desencadeou corrida armamentista na Ásia-Pacífico

Presidente completa uma década no poder com o terceiro mandato à vista e a expectativa de não reduzir os gastos militares

Houve um tempo em que o Exército de Libertação Popular (ELP) era mal equipado e ineficaz, a ponto de um historiador definir as forças armadas da China como “o maior museu militar do mundo”. A situação mudou drasticamente na última década, período que corresponde ao governo de Xi Jinping. Beijing tem hoje a maior marinha do mundo, à frente da norte-americana, o maior exército permanente do mundo e um arsenal balístico e nuclear capaz de rivalizar com qualquer outro. O resultado dessa beligerância é uma corrida armamentista na região da Ásia-Pacífico e o temor constante de um conflito com o Ocidente que teria desdobramentos catastróficos. As informações são do site The Defense Post.

Dados coletados pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, apontam que os gastos com Defesa na região da Ásia-Pacífico ultrapassaram US$ 1 trilhão somente no ano passado. Beijing puxa esses números para cima, tendo aumentado seu orçamento militar por 27 anos consecutivos, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo. Mas a maioria das nações vizinhas seguiu o modelo. Inclusive o Japão, cujo Ministério da Defesa solicitou no final de agosto um orçamento de US$ 40 bilhões, que colocaria o país atrás apenas de EUA e China.

Assim como os vizinhos chineses, Filipinas e Vietnã também dobraram os gastos militares na última década, com Coreia do Sul, Paquistão e Índia não muito atrás. A Austrália aderiu à corrida e encomendou inclusive um submarino nuclear, enquanto a Coreia do Norte aumentou consideravelmente os testes de mísseis balísticos e colocou os países mais próximos em alerta.

Xi Jinping e as Forças Armadas da China (Foto: Gov. Hong Kong/divulgação)

“Todos os principais atores da região do Indo-Pacífico estão respondendo à modernização militar da China, basicamente o mais rápido que podem”, disse Malcolm Davis, ex-oficial de defesa australiano e hoje a serviço do think tank Instituto Australiano de Política Estratégica.

Não há nada, entretanto, que se compare ao que a China construiu ao longo da última década. Quando o atual presidente assumiu o comando do ELP, em 2013, a reformulação das Forças Armadas chinesas já havia começado. Mas ele ampliou e acelerou o processo. “Não foi realmente até a chegada de Xi Jinping que esse esforço começou a se traduzir em capacidade”, disse o consultor estratégico Alexander Neill.

Hoje, a marinha chinesa tem dois porta-aviões ativos e 360 navios, no que supera inclusive os norte-americanos, estes com 300 embarcações militares. Já o exército permanente chinês tem cerca de dois milhões de soldados, maior que o de qualquer outra nação. A Índia é a segunda maior força do tipo no mundo, com cerca de 1,4 milhão de tropas, contra 1,35 milhão dos EUA, de acordo com o site World Atlas.

arsenal nuclear da China também tem aumentado num ritmo muito maior que o imaginado anteriormente, levando a nação asiática a reduzir a desvantagem em relação aos Estados Unidos nessa área. Relatório recente do Pentágono sugere que Beijing pode atingir a marca de 700 ogivas nucleares ativas até 2027, tendo a meta de mil ogivas até 2030.

O fator Taiwan

Mas é nos mares que a China causa preocupação nos vizinhos e gera tensão no Indo-Pacífico. O foco é Taiwan, que luta para ser reconhecida como nação autônoma enquanto é assediada pelas frequentes incursões áreas chinesas, tendo sido inclusive alvo de um bloqueio naval recente.

“Eles (a China) têm uma marinha muito grande e, se quiserem intimidar e colocar navios em Taiwan, podem fazer isso”, disse o vice-almirante da Marinha dos Estados Unidos Karl Thomas, atualmente comandante da Sétima Frota do país.

Embora a tensão hoje esteja concentrada na Ásia-Pacífico, ela mantém em alerta todo o planeta. As nações ocidentais observam de perto o aumento da influência regional chinesa e têm deixado cada vez mais claro que uma eventual agressão a Taiwan levaria a uma reação na mesma medida, o que desencadearia uma guerra de proporções globais.

“A RPC (República Popular da China) é o único concorrente capaz de combinar seu poder econômico, diplomático, militar e tecnológico para montar um desafio sustentado a um sistema internacional estável e aberto”, disse um relatório do Pentágono no ano passado. “Beijing busca reformular a ordem internacional para melhor se alinhar ao seu sistema autoritário e aos interesses nacionais”.

A resposta norte-americana

Precavidos, os EUA têm firmado novas alianças focadas em conter Beijing. “Os EUA estão agora formando coalizões de países dispostos a ajudá-los a evitar que a China alcance sua meta de domínio regional”, disse Mark J. Valencia em artigo publicado em janeiro no jornal South China Morning Post, de Hong Kong.

Entre esses pactos destacam-se o Quad, abreviação para Diálogo de Segurança Quadrilateral. Trata-se de uma coalizão entre Estados Unidos, Austrália, Índia e Japão que tem o objetivo declarado de manter um “Indo-Pacífico livre e aberto”. Além do AUKUS, acordo entre EUA e Reino Unido para fornecer propulsão de submarino nuclear e tecnologia de drones subaquáticos à Austrália.

“Os dias da Marinha dos EUA dominando os mares no Pacífico Ocidental estão chegando ao fim”, afirmou Malcolm Davis. “Nós não teríamos AUKUS se não fosse por Xi Jinping. Ele nos fez um grande favor nesse sentido”.

Diante desse cenário, Valencia fez um alerta há cerca de nove meses. E ele continua atual. “A China e os EUA estão flertando com um desastre”, escreveu ele no artigo de março. “Eles estão se apalpando como pugilistas no primeiro assalto. Até agora, eles evitaram uma colisão frontal, mas esta pode ser apenas a calmaria antes da severa tempestade militar”.

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