Eleições em Hong Kong registram participação historicamente baixa após incêndio mortal

Participação ficou em 31,9% mesmo após campanha oficial, incentivos ao voto e forte controle político, em um pleito marcado pelas consequências de um incêndio que matou 159 pessoas

As eleições para o Conselho Legislativo de Hong Kong, realizadas no domingo (7), terminaram com uma participação eleitoral de 31,9%, índice considerado baixo mesmo após uma ampla campanha oficial para incentivar o voto. O pleito ocorreu dias depois de um incêndio devastador que matou ao menos 159 pessoas em um complexo residencial da cidade, episódio que marcou o ambiente político e social antes da votação. As informações são do The Wall Street Journal.

O comparecimento foi ligeiramente superior ao registrado na eleição anterior, há quatro anos, mas permaneceu muito abaixo dos níveis observados antes da reforma eleitoral imposta por Beijing. Desde 2021, apenas candidatos classificados como “patriotas” podem concorrer, regra que excluiu totalmente a oposição pró-democracia do processo eleitoral.

Campanha no conjunto habitacional Wah Fu Estate durante as eleições legislativas de 2025 (Foto: WikiCommons)

Esta foi a segunda eleição do Conselho Legislativo, conhecido como LegCo, realizada sob o novo modelo. A mudança no sistema reduziu o número de cadeiras escolhidas diretamente pelos eleitores, de 35 para 20, enquanto o total de parlamentares aumentou de 70 para 90. Desse total, 40 são selecionados por um comitê eleitoral dominado por aliados de Beijing, e os demais 30 são escolhidos por grupos profissionais e setores específicos da sociedade.

Apesar dos esforços do governo local para estimular a participação, incluindo a ampliação do horário de votação, a instalação de seções eleitorais próximas à fronteira com a China continental e incentivos como descontos comerciais e sorteios, o interesse do eleitorado seguiu limitado. Ao todo, cerca de 1,32 milhão de pessoas votaram, número ligeiramente inferior aos 1,35 milhão registrados em 2021.

A comparação com eleições anteriores evidencia a queda no engajamento. Em 2016, a participação no LegCo foi de 58,3%, enquanto as eleições distritais de 2019 alcançaram um recorde de 71,2%, com quase 3 milhões de eleitores e forte apoio ao movimento pró-democracia.

Para analistas, o resultado reforça a percepção de esvaziamento político do Legislativo. Segundo especialistas, a ausência de disputa real e de vozes críticas ao governo contribui para o distanciamento da população em relação às eleições. Autoridades, no entanto, adotaram um tom positivo. O chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee, afirmou que o pleito foi “tranquilo e bem-sucedido” e destacou princípios de ampla representação e concorrência justa.

O contexto da votação foi influenciado pelo incêndio ocorrido em 29 de novembro, um dos mais mortais da história recente da cidade. Prédios carbonizados ainda serviam de pano de fundo para cartazes eleitorais em distritos como Tai Po. O escritório de segurança nacional de Beijing em Hong Kong chegou a alertar que tentativas de explorar politicamente a tragédia seriam punidas por lei.

As investigações sobre o incêndio seguem em andamento, sem um relatório conclusivo sobre as causas e os fatores que permitiram a rápida propagação do fogo. Ainda assim, o governo manteve o calendário eleitoral, recebendo posteriormente elogios de um órgão central de Beijing responsável pelos assuntos de Hong Kong, que destacou a organização e a mobilização do pleito.

Dentro do novo equilíbrio de forças do Legislativo, um dado relevante foi o desempenho da Aliança Democrática para o Progresso e o Bem-Estar de Hong Kong, que conquistou 10 das 20 cadeiras eleitas diretamente. A informação corrige avaliações iniciais divulgadas após a votação, que indicavam de forma imprecisa que o partido havia vencido todas as cadeiras escolhidas pelo voto popular, esclarecimento posteriormente incorporado aos balanços oficiais do resultado eleitoral.

Com a consolidação das novas regras e a baixa adesão nas urnas, especialistas avaliam que o Conselho Legislativo passou a ter influência limitada e pouca capacidade de atrair a atenção da sociedade. Para parte da população, as eleições deixaram de ser vistas como um espaço efetivo de debate político, refletindo as profundas transformações vividas por Hong Kong desde os protestos pró-democracia de 2019.

Por que isso importa?

Após ser transferido do domínio britânico para o chinês, em 1997, Hong Kong passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Entretanto, apesar da promessa inicial de que as liberdades individuais seriam respeitadas, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa por independência e democracia em 2019.

A resposta de Beijing aos protestos veio com autoritarismo, representado pela lei de segurança nacional, que deu ao governo de Hong Kong poder de silenciar a oposição e encarcerar os críticos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No final de julho de 2021, um ano após a implementação da lei, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.

O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.

Os críticos ao governo local alegam que os direitos de expressão e de associação têm diminuído cada vez mais, com o aumento da repressão aos dissidentes graças à lei. Já as autoridades de Hong Kong reforçam a ideia de que a normativa legal é necessária para preservar a estabilidade do território

O Reino Unido, por sua vez, diz que ela viola o acordo estabelecido quando da entrega do território à China. Isso porque havia uma promessa de que as liberdade individuais, entre elas eleições democráticas, seriam preservadas por ao menos 50 anos. Metade do tempo se passou, e Beijing não cumpriu sua parte no acordo. Muito pelo contrário.

Nos últimos anos, os pedidos por democracia foram silenciados, a liberdade de expressão acabou e a perspectiva é de que isso se mantenha por um “longo prazo”. Nas palavras do presidente Xi Jinping, “qualquer interferência deve ser eliminada”.

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