Enquanto o mundo condena a repressão às afegãs, Rússia parte em defesa do Taleban

Moscou diz que escolas estão fechadas por falta de dinheiro, enquanto os próprios talibãs citam razões culturais e religiosas

Na abertura da 51ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), na segunda-feira (12), mais de 20 governos e entidades condenaram a repressão de gênero imposta pelo Taleban às mulheres no Afeganistão. A exceção foram China e Rússia, que se abstiveram. Moscou até partiu em defesa dos radicais, segundo informações da rede Voice of America (VOA).

O que motivou as críticas globais aos governantes do Afeganistão foi sobretudo a proibição imposta às meninas na educação, com relatos frequentes de escolas de ensino médio fechadas e alunas obrigadas a ficar em casa quando deveriam estar estudando. No sábado (10), algumas meninas chegaram a iniciar um protesto na província de Paktia.

A Rússia, no entanto, preferiu destacar os “esforços do novo governo afegão para garantir os direitos de mulheres e meninas nas áreas de casamento e herança de propriedade”, nas palavras do representante russo na sessão. Ele destacou que mais de 130 mil mulheres estão empregadas nos setores de saúde e educação no Afeganistão.

De acordo com o representante russo, as escolas estão fechadas porque o Taleban não tem condições de criar salas segregadas para meninas. E a culpa por isso é do Ocidente, que mantém bilhões em fundos afegãos congelados e impede que a necessária ajuda financeira seja acessada pelos talibãs.

“Pedimos aos EUA e ao Reino Unido e seus satélites que, em vez de emitir novas demandas ao Taleban, comecem a cumprir suas próprias obrigações”, disse o russo, citando ainda os 20 anos de ocupação norte-americana como causa da crise no país do Oriente Médio.

Afegãs estudam em centro de aprendizado na província de Maidan Warda (Foto: Azizullah Karimi/Unicef)

O argumento russo, porém, não vem sendo usado sequer pelos próprios talibãs para justificar o fechamento das escolas de ensino médio. Em vez da questão financeira, eles citam razões culturais e principalmente religiosas para impedir as meninas de estudar.

Inclusive, no caso da província de Paktia, Zabihullah Mujahid, principal porta-voz do governo talibã, disse que uma investigação foi aberta para apurar quem autorizou a reabertura das escolas, que foram mais tarde fechadas e por isso geraram o protesto das meninas.

A China foi mais amena que a Rússia, mas igualmente poupou os talibãs de críticas pela repressão às mulheres e meninas afegãs. “Pedimos aos países envolvidos que respeitem a soberania e a integridade territorial do país e levantem as sanções unilaterais”, disse o representante chinês.

Governo não reconhecido

A Rússia é um dos poucos países a manter uma Embaixada ativa em Cabul desde a ascensão do Taleban ao poder. Embora Moscou não tenha reconhecido oficialmente os radicais como governantes de direito do país, mantém negociações com os talibãs para fornecer gasolina e outras commodities ao Afeganistão.

O reconhecimento internacional é uma necessidade urgente para o governo talibã, pois fortaleceria financeiramente um país pobre e sem perspectiva imediata de gerar riqueza. O Afeganistão tem bilhões de dólares em fundos congelados em bancos dos EUA, da Europa e do Oriente Médio. Como não está claro quem tem autoridade legal para obter acesso, o dinheiro segue indisponível para saque.

A repressão de gênero é um das razões citadas pelas nações de todo o mundo para não reconhecerem o Taleban como governantes de direito do Afeganistão. Assim, o país segue isolado da comunidade internacional e afundado na pobreza.

Por que isso importa?

Nesse cenário, a vida das mulheres tem sido particularmente dura. Aquelas que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.

Na educação, o governo extremista mantém fora da escola cerca de três milhões de meninas acima da sexta série, sob o argumento de que as escolas só serão reabertas quando os radicais tiverem a certeza de um “ambiente seguro”.

Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.

Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).

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