EUA usam cúpula em Washington para conter a influência crescente de China e Rússia na África

Governo Biden vê Beijing como a maior ameaça, por "minar a transparência e a abertura e enfraquecer as relações dos EUA com os povos africanos"

O presidente norte-americano Joe Biden recebeu nesta semana, em Washington, 49 líderes de nações africanas e da União Africana (UA), além de representantes de mais de 300 empresas, para a Cúpula de Líderes EUA-África. O objetivo do evento foi “aprofundar as muitas parcerias que temos no continente africano”, segundo a secretária de imprensa da Casa Branca Karine Jean-Pierre. Por trás disso, porém, está a influência crescente de China e Rússia, que tem forçado o Ocidente, capitaneado pelos EUA, a ampliar os investimentos na região.

A presença de Moscou na África pode ser notada sobretudo no âmbito militar, com a atuação cada vez mais forte dos mercenários do Wagner Group em diversos países africanos, em parceiras firmadas com a suposta intenção de combater o extremismo islâmico.

Segundo a estratégia de Washington para a África subsaariana, documento divulgado em agosto deste ano, “a Rússia vê a região como um ambiente permissivo para paraestatais e empresas militares privadas, muitas vezes fomentando a instabilidade para benefício estratégico e financeiro”.

Antony Blinken (segundo da dir. para a esq.) em evento ligado à Cúpula EUA-África (Foto: state.gov)

É a China, porém, que merece maior atenção norte-americana. Através da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), iniciativa implementada em 2013 pelo presidente Xi Jinping, Beijing investiu bilhões em energia, infraestrutura e outros projetos em nações africanas.

A Casa Branca diz que o país asiático vê a África subsaariana “como uma arena importante para desafiar a ordem internacional baseada em regras, promover seus próprios interesses comerciais e geopolíticos estreitos, minar a transparência e a abertura e enfraquecer as relações dos EUA com os povos africanos e governos”.

Armadilha da dívida

No âmbito dos “interesses comerciais” entra a “armadilha da dívida”, uma estratégia predatória de Beijing que gera desconfiança global e faz vítimas entre os africanos. Quando os beneficiários dos empréstimos da BRI não conseguem arcar com as parcelas, o governo chinês usa a inadimplência como justificativa legal para assumir a gestão dos próprios projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC) ao assumir o controle de infraestruturas cruciais.

Por ocasião da cúpula desta semana, o tema voltou aos holofotes e levou o embaixador da China nos Estados Unidos, Qin Gang, a se manifestar. “A assistência financeira e de investimento da China para a África não é uma armadilha. É um benefício”, disse ele, segundo a agência Reuters. “A China não é o maior credor das dívidas africanas. A dívida da China é apenas uma pequena quantia”.

Para Biden, o momento parece ideal para tentar roubar espaço chinês na África. “Os Estados Unidos estão apostando no futuro da África”, disse ele na abertura do evento. “Quando a África é bem-sucedida, os Estados Unidos são bem-sucedidos. Francamente, o mundo inteiro também é bem-sucedido”.

Investimento bilionário

Atualmente, Beijing investe cerca de quatro vezes mais que Washington no continente africano, segundo análise do Eurasia Group. O comércio China-África no ano passado foi de US$ 254 bilhões, contra US$ 64,3 bilhões norte-americanos.

Diante de tais números, o presidente deixou claro durante a cúpula que pretende reduzir a desvantagem. Ele projeta investir US$ 55 bilhões no combate à insegurança alimentar e às mudanças climáticas e em novas parcerias comerciais. Também promete apoiar o ingresso da UA como membro permanente do G20, grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia (UE).

Apesar do dinheiro envolvido, esta última proposta é a que aparentemente mais agrada aos africanos, de acordo com o jornal britânico Guardian. Macky Sall, presidente do Senegal e atualmente na liderança da UA, disse que, com a entrada do bloco africano, o G20 “passaria a representar as opiniões de 54 membros adicionais, a maior parte dos países de baixa renda e cerca de 80% da população mundial”.

Em julho, ele já havia contestado a ausência da UA no grupo, em artigo publicado na plataforma de mídia Devex. “O G20 compromete sua eficácia e influência ao omitir uma fração tão grande da humanidade e da economia mundial”, disse ele na ocasião. “No geral, incluir a UA no G20 é uma ideia viável cujo tempo chegou e que beneficiaria o G20, a África e o mundo”.

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