O mais recente golpe de Estado em Burkina Faso, que colocou no poder o capitão Ibrahim Traoré, de 34 anos, tende a render frutos à Rússia e ao Wagner Group, organização paramilitar liderada pelo empresário Evgeny Prigozhin, aliado do presidente Vladimir Putin. A influência de Moscou no continente africano, especialmente no Sahel, não para de crescer, e Uagadugu tende a ser mais um de seus centros de atuação.
Oficialmente, Traoré derrubou o antecessor, o tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba, sob o argumento de que ele não vinha tendo sucesso na luta contra grupos extremistas islâmicos que desde 2015 marcam presença no país. É aí que entra o Wagner Group, que já se aliou ao governo do vizinho Mali justamente mediante a justificativa oficial de combater a insurgência.
O general Stephen J. Townsend, que até agosto liderava as forças dos EUA na África, já havia afirmado que o Sahel se tornou prioridade para os mercenários e o Kremlin, segundo o jornal britânico Guardian. Um sinal disso, diz ele, é o fato de o Wagner Group manter suas operações inalteradas no Mali enquanto as reduziu drasticamente na Líbia para reforçar o apoio ao exército russo na Ucrânia.
A tendência é a de que o cenário se repita em Burkina Faso e de lá se espalhe ainda mais pela África, com os mercenários dando suporte às forças armadas na luta contra o extremismo em troca de remuneração baseada dos recursos naturais locais. No Mali, fontes sustentam que o pagamento pelos serviços da organização russa seria de US$ 10,8 milhões por mês, dinheiro que viria da extração de minerais.
Em Burkina Faso, o terreno foi preparado para a chegada dos mercenários. No final de semana passado, após o golpe de Estado, muitos manifestantes foram às ruas saudar o novo governo. Bandeiras da Rússia foram vistas nas mãos dos cidadãos burquinenses, que também protestaram contra a presença da França, antiga aliada dos governos locais nas operações de contraterrorismo e que tem diminuído cada vez mais sua atuação por lá.
Nos protestos pós-golpe, um apoiador de Traoré deixou clara a imagem favorável de Moscou junto à população local. “Queremos cooperação com a Rússia. Queremos a saída de Damiba e da França”, disse Alassane Thiemtore, um dos manifestantes, segundo a agência Reuters.
Prigozhin não perdeu a oportunidade de capitalizar com o golpe e divulgou um comunicado no sábado (1º), no qual “parabeniza calorosamente” o capitão Traoré pela conquista do poder e o descreve como “um filho verdadeiramente digno e corajoso de sua pátria”, segundo o jornal canadense The Globe And Mail.
O Wagner e o golpe
Atualmente, o Wagner Group marca presença em ao menos seis países africanos. Para isso, conta com o suporte da propaganda do Kremlin, que há anos realiza uma campanha de influência no continente, sobretudo focada em nações politicamente instáveis. O governo russo faz uso das redes sociais para difundir uma imagem favorável junto à população local e atua até mesmo para influenciar os protestos de rua.
Os golpes em Burkina Faso estão atrelados à questão russa. Foi assim na derrubada do governo democrático que colocou Damiba no poder no início do ano. Segundo o think tank norte-americano Atlantic Council, “o conteúdo pró-russo se espalhou nas mídias sociais da África Ocidental nos meses que antecederam o golpe militar de janeiro de 2022 que derrubou o governo de Burkina Faso”.
A questão russa foi novamente relevante na ascensão de Traoré. Um oficial militar baseado no Sahel, cuja identidade não foi revelada, diz que Damiba chegou a cogitar a possibilidade de contratar os mercenários. Porém, ele mudou de ideia e incomodou o alto escalão das forças armadas burquinenses, o que abriu espaço para Traoré assumir.
“[Damiba] Poderia ter trazido assessores, ou armas, ou o Wagner, ou o que quer que seja. Mas isso não aconteceu, e essa foi uma das razões que incomodaram seus críticos nas forças armadas”, disse a fonte ao Guardian.
Constantin Gouvy, pesquisador de Burkina Faso no Instituto Holandês de Relações Internacionais, confirmou que a escolha de parceiros internacionais vinha sendo um dos principais pontos de discórdia entre a junta militar que governava o país, o exército e a população.
“Damiba estava se inclinando para a França, mas podemos ver o MPSR (a junta) explorando mais ativamente alternativas a partir de agora, com a Turquia ou a Rússia, por exemplo”, afirmou Gouvy.
De acordo com o Atlantic Council, existe mesmo uma tendência de aumento da influência russa na África. “A Rússia tem sido cada vez mais vista como uma opção alternativa, particularmente após o sucesso percebido do país no combate a militantes na RCA (República Centro-Africana)”.