‘Ideologia do ódio’ consome a Índia, afirma o bisneto de Mahatma Gandhi

Ativista e escritor Tushar Gandhi diz que a ascensão do nacionalismo hindu, bandeira erguida pelo premiê Narendra Modi, ofende o legado pacifista de seu bisavô

São quase 200 milhões de muçulmanos vivendo em uma Índia controlada por um partido que faz da divisão religiosa e da política pró-hindus uma de suas mais importantes bandeiras. O cenário sócio-político tornou os membros da minoria vítimas de preconceito, preteridos em empregos em relação aos hindus e alvos de todo tipo de barreira para alcançar a independência econômica e social.

Nesse contexto, a crescente onda de nacionalismo hindu, agenda imposta pelo primeiro-ministro Narendra Modi e seu partido Bharatiya Janata (BJP), é uma afronta ao legado de Mahatma Gandhi, disse seu bisneto, Tushar Gandhi, em meio a homenagens pela passagem do 75º aniversário do assassinato do líder do movimento de independência do país, na segunda-feira (30). O ativista foi morto por um hindu nacionalista insatisfeito com a busca de conciliação com os muçulmanos no país. As informações são da agência Al Jazeera.

Tushar segue os passos de resistência não violenta do bisavô. Entre as preocupações das lutas do escritor e ativista de 63 anos está o legado ideológico deixado pelo assassino de Gandhi, Nathuram Godse, cultuado por nacionalistas hindus desde que efetuou disparos contra um dos maiores mártires da paz mundial em 1948.

Tushar Gandhi: ascensão do nacionalismo hindu ofende legado pacifista de seu bisavô (Foto: WikiCommons)

Segundo ele, suas opiniões têm uma ressonância preocupante na Índia atual. Há até um templo dedicado ao assassino fundamentalista, erguido em 2015 perto de Nova Délhi. O local foi inaugurado um ano após a eleição de Modi.

“Essa filosofia tomou a Índia e o coração dos indianos como reféns. Trata-se da ideologia do ódio, da polarização e da divisão”, disse Tushar. “Para eles, é muito natural que Godse seja seu patriota icônico, seu ídolo”.

Um exemplo recente que evidencia a visão de Tushar sobre a divisão no país foi a pandemia de Covid-19. A tensão histórica entre muçulmanos e hindus em todo o território indiano resultou em agressões contra islâmicos e leitos hospitalares negados, enquanto trabalhadores da saúde eram rejeitados nos hospitais lotados e carentes de profissionais. E tudo sob o regime Modi, a quem o bisneto de Gandhi atribui a culpa pelo atual aprofundamento das barreiras religiosas e sociais por lá.

“O sucesso dele [de Modi] foi construído com base no ódio, devemos estabelecer isso”, acrescentou Tushar. “Não há como negar que, em seu coração, ele também sabe que o que está fazendo é acender um fogo que um dia consumirá a própria Índia”.

Desde que Modi se tornou premiê, o segundo país mais populoso do mundo tem registrado um aumento de ataques contra os muçulmanos, que representam 15% da população de 1,4 bilhão de habitantes.

Além disso, o BJP e o Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), um grupo hindu de extrema-direita, alertaram os hindus contra conversões religiosas ao Islã e ao Cristianismo e pediram ações para prevenir um “desequilíbrio demográfico”.

Na semana passada, o Twitter e o YouTube retiraram do ar um documentário da rede britânica BBC que descortinou os atos de Modi durante um massacre ocorrido em 2002 no Estado indiano de Gujarat. na ocasião, o hoje primeiro-ministro era ministro-chefe daquele Estado, e muitos de seus aliados foram cúmplices nos distúrbios entre a maioria hindu e a minoria muçulmana, que resultaram na morte de mais de mil pessoas, sobretudo entre o grupo minoritário.

A censura aplicada à obra ‘The Modi Question’ (‘Índia: A Questão Modi’, do título em português), lançada no último dia 17, foi um movimento coordenado junto ao governo da Índia e ocorreu após autoridades locais cobrarem das plataformas uma ação contra o que definiram como uma “peça de propaganda”, por associar Modi às mortes dos muçulmanos.

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