O Twitter e o YouTube retiraram do ar um documentário da rede britânica BBC que descortinou os atos do primeiro-ministro indiano Narendra Modi durante um massacre ocorrido em 2002 no Estado indiano de Gujarat, segundo mostrou reportagem do The Intercept.
A censura aplicada à obra ‘The Modi Question’ (‘Índia: A Questão Modi’, do título em português), lançada no último dia 17, é um movimento coordenado junto ao governo da Índia e ocorreu após autoridades locais cobrarem das plataformas uma ação contra o que definiram como uma “peça de propaganda”.
À época do incidente em Gujarat, Modi era ministro-chefe daquele Estado, e muitos de seus aliados foram cúmplices nos distúrbios entre a maioria hindu e a minoria muçulmana, que resultaram na morte de mais de mil pessoas, sobretudo entre o grupo minoritário. O político, identificado com uma agenda hindu-nacionalista, nunca foi acusado de conexão com a agitação social e não expressou “nenhuma culpa” sobre como ele lidou com a violência que resultou dela.
Em uma sequência de tuítes publicados no sábado (21), Kanchan Gupta, ministro indiano de Informação e Radiodifusão, disparou críticas ao documentário, ao qual se referiu como “propaganda hostil e lixo anti-Índia, disfarçado de ‘documentário'”. Também anunciou que postagens que compartilhavam ‘The Modi Question’ no Twitter e no YouTube haviam sido “bloqueadas pelas leis e regras soberanas da Índia”.
O The Intercept avalia que tal ato de censura, que “apaga as acusações de crimes contra a humanidade cometidos por um líder estrangeiro”, dá um “tom preocupante ao Twitter“, particularmente no momento em que Elon Musk, o bilionário por trás da SpaceX e da Tesla, que se autodenomina um “absolutista da liberdade de expressão”, assumiu o controle da plataforma de mídia social.
Nesse cenário, Musk parece “estar falhando no desafio muito mais grave de se manter firme às exigências autoritárias de governos estrangeiros”, analisou o veículo investigativo.
Além disso, o Twitter voltou a pavimentar o livre caminho de figuras extremistas, concedendo anistia a proeminentes neonazistas, nacionalistas brancos e teóricos da conspiração. Na terça (23), Musk restabeleceu a conta do nacionalista branco que nega o Holocausto Nick Fuentes. Ele estava banido há quase dois anos. Também está de volta à plataforma o neonazista Andrew Anglin, fundador do site supremacista branco The Daily Stormer, que estava banido desde 2013.
Sob nova gestão, o Twitter parece enfraquecer justamente naquilo que foi um dos seus pontos iniciais fortes: a ameaça que representava para os governos autocráticos. Segundo o artigo do The Intercept, o fenômeno pode ser observado durante os protestos de 2009 no Irã e mais tarde na Primavera Árabe.
Mas a oposição reagiu à censura na Índia. Mahua Moitra e Derek O’Brien, parlamentares do partido Trinamool Congress, que governa o Estado de Bengala, no leste do país, desafiaram a censura do documentário da BBC e postaram links com o documentário.
“Desculpe, não fui eleito para representar a maior democracia do mundo para aceitar a censura”, tuitou Moitra. “Aqui está o link. Assista enquanto pode”. O tuíte foi removido, disse O’Brien mais tarde.
CENSORSHIP@Twitter @TwitterIndia HAS TAKEN DOWN MY TWEET of the #BBCDocumentary, it received lakhs of views
— Derek O’Brien | ডেরেক ও’ব্রায়েন (@derekobrienmp) January 21, 2023
The 1 hr @BBC docu exposes how PM @narendramodi HATES MINORITIES
Here’s👇the mail I recieved. Also see flimsy reason given. Oppn will continue to fight the good fight pic.twitter.com/8lfR0XPViJ
O Google, dono do YouTube, também é alvo de pressão do governo indiano. Os relatórios de transparência pública da empresa mostram que Nova Délhi tem requisitado milhares de remoções de conteúdo da última década para cá, tendo enviado mais de 15 mil demandas de censura desde 2011. Para se ter uma ideia, no mesmo período, a Alemanha fez cinco mil pedidos, e os EUA, aproximadamente 11 mil.