Ilhas Salomão firmam acordo com os EUA, mas vetam referências indiretas à China

Ministro das Relações Exteriores diz que documento original forçava o país a 'escolher lados, o que desagradou Honiara

Washington conseguiu quebrar a resistência das Ilhas Salomão e convenceu o governo do primeiro-ministro Manasseh Sogavare a assinar um acordo que engloba também outras 13 nações insulares do Pacífico. Porém, os salomônicos só cederam após a remoção do documento de todas as referências indiretas feitas à China. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).

As Ilhas Salomão têm estreitado os laços com Beijing, cujo aumento da influência na região do Indo-Pacífico despertou preocupação da vizinha Austrália e dos EUA. O maior motivo de preocupação surgiu no final de março, quando vazou uma carta de intenções indicando que a China planejava estabelecer uma base militar nas Ilhas Salomão. 

Economicamente, a influência chinesa também se faz presente. Mais da metade de todos os frutos do mar, madeira e minerais extraídos do Pacífico em 2019 foi para a China. A estimativa é de que esse processo tenha movimentado US$ 3,3 bilhões, apontou uma análise de dados comerciais do jornal britânico Guardian.

Esse cenário levou Washington a reagir, e o presidente norte-americano Joe Biden recebeu lideranças de nações insulares do Pacífico no final de setembro na Casa Branca. As mudanças climáticas, tema que tanto interessa aos países da região, estiveram na pauta, e os EUA prometem inclusive reabrir a embaixada nas Ilhas Salomão que foi fechada nos anos 1990.

Premiê Manasseh Sogavare (esq.) e o homólogo chinês, Li Keqiang (Foto: divulgação/fmprc.gov.cn)

O acordo abordou, além da questão ambiental, a pandemia de Covid-19 e a recuperação econômica decorrente da crise de saúde, bem como a questão da segurança marítima.

A declaração aborda 11 pontos, entre eles a invasão da Ucrânia pela Rússia. De acordo com o ministro das Relações Exteriores salomônico Jeremiah Manele, os países signatários se comprometem a manter a paz e a segurança no Pacífico e reconhecem a importância da liberdade de navegação e sobrevoo sob o direito internacional.

Mas a redação original do documento desagradou as Ilhas Salomão. “No rascunho inicial, havia algumas referências com as quais não estávamos confortáveis”, disse Manele. “Houve algumas referências que nos colocaram em uma posição em que teríamos que escolher lados. E não queremos ser colocados em uma posição em que tenhamos que escolher lados”.

Por que isso importa?

As Ilhas Salomão vivem um período de intensa agitação social que especialistas associam a questões étnicas e históricas, à corrupção estatal e ao movimento do governo para estreitar laços com a China. Há três anos, o governo local trocou a aliança diplomática com Taiwan por uma com Beijing.

Para James Batley, um ex-alto comissário australiano para as Ilhas Salomão e especialista em assuntos sobre Ásia-Pacífico da Universidade Nacional Australiana, o desagrado da população em relação à aproximação com a China serviu como gatilho para a desordem popular que explodiu em novembro de 2021.

“Não é política externa em si, mas acho que essa mudança diplomática alimentou as queixas pré-existentes e, em particular, a sensação de que os chineses interferiram na política nas Ilhas Salomão, que o dinheiro chinês de alguma forma fomentou a corrupção, distorceu a forma como a política funciona nas Ilhas Salomão”, disse Batley.

A relação comercial com a China é considerada particularmente predatória pela população local. Para alimentar e gerenciar a população de quase 1,4 bilhão de habitantes, a China tirou do Pacífico mais recursos do que os dez países da região juntos. Nas Ilhas Salomão e em Papua Nova Guiné, por exemplo, mais de 90% do total de madeira exportada foi para os chineses.

Os dados não levam em consideração as exportações ilícitas. Nas Ilhas Salomão, pelo menos 70% das toras são exportadas de madeira ilegal. A falta de leis na China contra esse tipo de importação absorvem o envio devido à alta demanda e proximidade com a região.

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