Inflacionado, projeto chinês na Geórgia ignora impacto sobre cidadãos e meio ambiente

Rodovia teve o orçamento inflado, ainda não tem um prazo de conclusão definido e virou um problema para a população local

Na Geórgia, uma rodovia construída por empresas da China, que ligará a capital Tbilisi à costa do Mar Negro, à primeira vista parece um fator positivo em um país com pouca infraestrutura de qualidade. Porém, o projeto não leva em conta o impacto sobre a população das áreas afetadas, nem os desdobramentos ambientais e financeiros. A obra vem sendo questionada por cidadãos georgianos, políticos de oposição e ambientalistas, como mostra reportagem da rede Radio Free Europe (RFE).

A rodovia terá 51,6 quilômetros e se estenderá de leste a oeste na Geórgia, com 96 pontes e 53 túneis. Ligará a Europa à Ásia, com a perspectiva de alavancar o comércio e o investimento na região. Porém, se os benefícios são bem conhecidos desde o início, novos problemas não param de surgir.

Deslizamento na passagem de montanha Rikoti Pass, na Geórgia, em janeiro de 2017, por onde passa a futura rodovia construída pela China: o problema vem se repetindo durante a obra (Foto: imaggeo.egu.eu)

O preço, por exemplo, aumenta constantemente e já se aproxima de US$ 1 bilhão. O prazo de conclusão da obra, iniciada em 2018, também não para de se estender. Inicialmente, a inauguração seria em 2020, mas agora nem mesmo a nova data, que apontava para 2023, será respeitada. Ocorre que foram justamente o valor e a data de conclusão que levaram os chineses a vencer a licitação.

“Essas empresas chinesas ganharam esses contratos porque tinham o menor custo e o menor prazo. Mas agora os custos estão aumentando e os prazos são prolongados”, afirma Tina Khidasheli, que entre 2015 e 2016 foi ministra da Defesa da Geórgia e hoje faz oposição ao governo. “Por que esse contrato não foi dado a uma empresa que tem um histórico melhor de entregar o que prometeu em primeiro lugar?”

O aumento do preço levanta uma outra dúvida. Considerando que parte dos fundos destinados à obra foi arrecadada junto a uma instituição financeira europeia, o Banco Europeu de Investimento, não seria correto escolher uma empresa do continente?

O embaixador polonês na Geórgia, Mariusz Maszkiewic, levantou essa questão em 2020, em entrevista à versão georgiana da revista Forbes. “Temos empresas muito boas na Áustria, na Alemanha, na Polônia. Podemos oferecer maior qualidade a um preço confiável”, disse ele.

Corrupção e abusos trabalhistas

A questão ambiental veio à tona recentemente, após inundações e deslizamentos terem sido registrados em áreas próximas à futura rodovia. Chegaram a atingir a própria obra, na passagem de montanha Rikoti Pass, o que contribuiu para a ampliação do prazo de conclusão. Ambientalistas têm alertado para o risco de o problema de repetir, e um especialista manifestou desconfiança quanto aos padrões de construção adotados pelas empresas chinesas responsáveis.

Archil Magalashvili, professor de geologia na Universidade Estadual de Ilia, em Tbilisi, disse que em 2019 realizou um estudo sobre o impacto da obra. E chamou a atenção para os riscos de deslizamento, tendo recomendado que novos estudos e cálculos fossem feitos. “Não tenho certeza se me ouviram”, disse, acrescentando que os chineses “sabiam que havia um problema”.

Uma das empresas vitoriosas na licitação, a Hunan Road and Bridge Construction Group, já enfrenta denúncias de danos ambientais e de corrupção em um projeto semelhante em Uganda. Na Geórgia, foi alvo de greves de trabalhadores locais, que reclamam dos baixos salários e das condições de trabalho ruins.

População prejudicada

O maior impacto da obra, no entanto, será social. Entre as vítimas estão georgianos que vivem da venda de cerâmica e produtos típicos na beira de estradas. São pessoas que já sofrem com a crise financeira, que reduziu o turismo e, consequentemente, a renda familiar. E agora enfrentam a possibilidade de perder seu faturamento.

Quando a rodovia estiver pronta, o tráfego será desviado, e aqueles que vivem do comércio de beira de estrada ficarão sem a fonte de renda. Caso dos moradores da cidade de Shrosha, onde um dos principais produtos comercializados é o nazuki, tradicional pão doce georgiano assado em forno de pedra.

“Eu não ganho muito vendendo nazuki. O mínimo. Mas isso ainda é necessário para a família”, disse Nazi Laphachi, que tem seu negócio à beira de uma estrada onde o tráfego será consideravelmente reduzido tão logo a futura rodovia comece a operar.

Em meio às críticas, o governo prometeu construir mercados na rodovia voltados especialmente a quem será afetado pelo megaprojeto chinês. Porém, até agora há poucos detalhes sobre como ou se isso de fato funcionará. E muitos apostam que a promessa simplesmente não será cumprida.

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