O apoio de Israel foi crucial para o sucesso da ofensiva militar do Azerbaijão em Nagorno-Karabakh em setembro, permitindo a Baku expulsar os armênios étnicos e retomar o controle do enclave após mais de 30 anos. Segundo autoridades e especialistas ouvidos pela agência Associated Press (AP), a vitória azeri não seria possível sem as armas israelenses.
Dados de rastreamento de voos e depoimentos de diplomatas armênios indicam que aviões militares de carga do governo azeri partiram de uma base em Israel rumo a Nagorno-Karabakh semanas antes da operação militar, que começou no dia 19 de setembro e durou aproximadamente 24 horas.
O arsenal fornecido por Israel permitiu ao Azerbaijão resolver o conflito rapidamente. A ação incluiu mísseis, artilharia e drones turcos Bayraktar para bombardear o território ocupado pelos armênios étnicos, que acabaram por admitir a derrota e depuseram suas armas.
O Ministério da Defesa do Azerbaijão afirmou que “apenas alvos militares legítimos foram destruídos” no ataque. A Armênia, reforçando que não tinha tropas em Nagorno-Karabakh, alegou que o governo azeri “violou o cessar-fogo ao longo de toda a linha de contato.”
Informações divulgadas por autoridades russas, azeris e armênias indicam que mais de 200 combatentes separatistas morreram em razão da ofensiva. Entre as vítimas estariam civis, crianças e até dois militares da Rússia, membros das forças de paz de Moscou que atuam na área. Também teriam morrido por volta de 200 membros das forças do Azerbaijão.
“Para nós, é uma grande preocupação que as armas israelitas tenham disparado contra o nosso povo”, disse Arman Akopian, embaixador da Armênia em Israel, que diz ter manifestado sua indignação diretamente aos políticos e legisladores israelenses.
O desfecho da ofensiva ainda levou mais de cem mil pessoas a deixarem Nagorno-Karabakh rumo à Armênia nos últimos dias, entre elas 30 mil crianças, segundo dados divulgados pela ONU (Organização das Nações Unidas).
O porta-voz da Organização Internacional para Migrações (OIM), Joe Lowry, disse que as pessoas que saíram de Nagorno-Karabakh por não se sentirem seguras agora estão se mudando para diferentes partes da Armênia, com mais de 40 mil pessoas acomodadas diretamente pelo governo.
O representante afirmou, ainda, que muitos daqueles que procuraram refúgio empreenderam viagens árduas, “caminhando durante dias e encontrando abrigo em cavernas ou porões, enfrentando condições extremamente desafiadoras.” Ele citou relatos de desnutrição, principalmente entre idosos e crianças, e de doenças como febre alta e pneumonia.
“Não vejo por que Israel não deveria estar em posição de expressar pelo menos alguma preocupação sobre o destino das pessoas que são expulsas da sua terra natal”, declarou Akopian à AP.
Aliança antiga
Embora Israel tenha se recusado a comentar as recentes alegações armênias, a aliança do país com o governo do Azerbaijão é notória. Em julho deste ano, Yoav Gallant, ministro da Defesa israelense, visitou Baku e elogiou a “luta conjunta contra o terrorismo” das duas nações.
Arkady Mil-man, ex-embaixador de Israel no Azerbaijão e hoje membro do think tank Instituto de Estudos de Segurança Nacional, de Tel Aviv, diz que “não há dúvidas sobre a nossa posição de apoio à defesa do Azerbaijão”. Segundo ele, trata-se de parceria crucial para Israel enfrentar o Irã, seu principal inimigo.
O diplomata armênio Tigran Balayan reforça essa análise. “É claro para nós que Israel tem interesse em manter uma presença militar no Azerbaijão, usando o seu território para observar o Irã”, afirmou.
Especialistas calculam que Israel forneceu 70% do arsenal das forças armadas do Azerbaijão entre 2016 e 2020, sendo assim decisivo na administração da tensão em Nagorno-Karabaklh e na posterior derrota dos separatistas. Em troca, além da aliança contra Teerã, Baku fornece aos israelenses cerca de 40% de suas necessidades de petróleo.
“Estamos satisfeitos com esta cooperação, foi bastante favorável e bastante benéfica para a defesa”, disse o embaixador do Azerbaijão em Israel, Mukhtar Mammadov, referindo-se à parceria em termos gerais, sem citar especificamente a ofensiva militar de setembro.
Entenda a questão
Nagorno-Karabakh é um território ocupado por uma maioria armênia cristã que declarou independência do Azerbaijão, país majoritariamente muçulmano, desencadeando uma guerra que foi de 1992 a 1994. O conflito causou 30 mil mortes e desalojou centenas de milhares de pessoas, com a reivindicação de independência dos armênios não sendo reconhecida por nenhum país.
Desde 1994, o enclave vinha sendo controlado por forças que o Azerbaijão alegava incluir tropas da Armênia, que sempre negou ter militares ali. Após um cessar-fogo estabelecido com a ajuda de Rússia, EUA e França, um novo conflito armado entre os dois países eclodiu em 2020 e durou 44 dias, com mais 6,5 mil mortos, aproximadamente.
Um novo acordo de paz foi firmado, este mediado pela Rússia, no início de 2021. Mas ele sempre foi visto com desconfiança pela população armênia, até o ataque do Azerbaijão em setembro de 2023 que, ao menos em um primeiro momento, parece ter encerrado o conflito.