Junta militar de Mianmar prende comerciantes que aumentaram salários em meio à inflação

Diante de uma crescente rebelião popular, a junta militar birmanesa jogou o país em uma crise econômica, revertendo os avanços alcançados ao longo de uma década sob liderança civil

Mianmar enfrenta uma crise inflacionária com uma taxa de 28,58%. A instabilidade política e econômica após o golpe militar de 2021 levou a uma recessão profunda e ao colapso econômico, revertendo os avanços conquistados durante uma década de liderança quase democrática. A desvalorização da moeda e o aumento dos preços dos alimentos e combustíveis também contribuíram para a alta inflação.

Em meio a esse cenário, com a moeda local em queda livre e a inflação em alta, o dono de três lojas de celulares em Mandalay decidiu aumentar os salários de seus funcionários, segundo relatou o jornal The New York Times. A generosidade dele logo se espalhou pelo Facebook, e os empregados celebraram a notícia. No entanto, a junta militar que comanda o país teve outra interpretação da situação. Soldados e policiais detiveram o proprietário, U Pyae Phyo Zaw, fecharam suas lojas e o acusaram de incitar a agitação pública, com base em uma lei de redação ambígua que é frequentemente usada para suprimir dissidência, segundo relatos de seu irmão e um funcionário.

Pyae Phyo Zaw é um dos 10 empresários presos recentemente por aumentar os salários de seus funcionários. Embora o aumento salarial não seja proibido, eles foram acusados de minar o regime ao sugerir uma alta na inflação. Todos estão sujeitos a até três anos de prisão. Soldados fecharam suas lojas, alegando que estavam perturbando a “paz e a ordem da comunidade”.

Comércio em Mianmar fechado durante protesto em 2022 (Foto: Twitter/Reprodução)

Um funcionário ouvido pela reportagem, que falou sob condição de anonimato, expressou gratidão pelo aumento salarial recente, mas lamentou que a loja tenha sido fechada, deixando-o sem receber. Ele destacou o impacto severo dos preços elevados, descrevendo a situação como “quase desesperadora para pessoas comuns como ele”.

Após o golpe, a junta militar de Myanmar imprimiu quase 30 trilhões de kyats (cerca de US$ 9,2 bilhões), desvalorizando a moeda e aumentando a inflação. Para combater isso, congelou os preços de alimentos como arroz e carne, restringiu a compra de ouro e moeda estrangeira, e deteve dezenas por violarem as novas restrições econômicas.

Colapso iminente

Sean Turnell, economista australiano e ex-assessor da líder deposta Daw Aung San Suu Kyi, descreveu a economia de Mianmar pós-2021 como tendo passado por uma crise, seguido por um período caótico, e agora enfrentando um colapso iminente como uma entidade formalmente funcional e em desenvolvimento. Atualmente, ele aconselha o Governo de Unidade Nacional, que estabeleceu um regime paralelo de oposição à junta militar.

Em junho, o Banco Mundial informou que a produção econômica de Mianmar havia diminuído 9% desde 2019, com um aumento significativo na pobreza, atingindo níveis não vistos em quase uma década. Um terço da população agora vive abaixo da linha da pobreza.

A mão de obra foi reduzida devido à fuga de mais de 3 milhões de birmaneses de áreas remotas e acampamentos na selva em Mianmar, buscando segurança. Muitos jovens, tanto homens quanto mulheres, também fugiram para o exterior para evitar o recrutamento militar. Além disso, milhares de pessoas deixaram as cidades para se unir ao movimento de resistência armada.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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