Mianmar impõe treinamento militar a Rohingyas como condição para ajuda alimentar

Segundo a ONU, estratégia da junta militar de aumentar tensões étnicas em Rakhine está funcionando

A junta militar de Mianmar está recrutando à força Rohingyas em Sittwe, capital do estado de Rakhine, e ameaçando cortar a ajuda internacional mensal se recusarem o treinamento militar, segundo relatos de membros do grupo étnico que vivem em campos de deslocados. As informações são da rede Radio Free Asia.

Os relatos vêm na esteira de novos apelos da comunidade internacional por um monitoramento mais rigoroso da situação da minoria birmanesa. Há preocupações de que os esforços dos militares para incitar tensões entre os Rohingyas muçulmanos e as comunidades budistas em Rakhine estejam tendo sucesso.

A junta está desesperada em busca de novos combatentes, conforme sofre perdas significativas devido à ofensiva da Tríplice Aliança, uma coalizão rebelde composta por três grupos: o Exército Arakan, o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA) e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang. Dezenas de cidades foram conquistadas pelas forças de resistência desde outubro de 2023.

Refugiados rohingyas em acampamento em Cox’s Bazar, em Bangladesh (Foto: KM Asad/UN Photo)

Ambos os lados pressionam os Rohingyas a se juntar às suas fileiras e, ao mesmo tempo, os acusam de ajudar seus rivais. Relatórios indicam que tanto as forças do MNDAA quanto as da junta têm submetido a minoria muçulmana à violência.

Residentes Rohingyas em Sittwe relataram à reportagem, sob condição de anonimato, que as tropas da junta começaram a ordenar que entregassem cerca de 30 pessoas, entre 18 e 30 anos de idade, de campos para deslocados em Sittwe. Não está claro quantos deles foram recrutados à força. Segundo um membro da minoria étnica do campo de Thet Kei Pyin, que passou pelo processo de recrutamento forçado, foram solicitadas 35 pessoas do seu campo para serem recrutadas.

Segundo outros relatos, a junta recrutou cerca de mil Rohingyas à força para o serviço militar em campos para deslocados no município de Sittwe em março, e mais de 300 em aldeias da minoria no mês passado, tornando esta a terceira rodada de recrutamento forçado.

Organizações internacionais pedem uma pausa nos combates em meio às denúncias de recrutamento forçado e tentativas militares de incitar conflitos entre as comunidades Rakhine e Rohingya em Rakhine. O Alto Comissário da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Direitos Humanos, Volker Türk, também apelou à moderação, destacando o risco de mais crimes de atrocidade devido às tensões intercomunitárias exacerbadas.

Türk também instou os militares de Mianmar e ao Exército Arakan a interromperem os combates, protegerem os civis, permitirem o acesso humanitário sem obstáculos e cumprirem plenamente o direito internacional.

James Rodehaver, chefe da equipe de Direitos Humanos das Nações Unidas em Myanmar, destacou a propagação de desinformação e propaganda que intensifica as tensões entre as comunidades de Rakhine e Rohingya. Ele observou que a MNDAA tem disseminado “informações falsas” sobre os Rohingyas no X, antigo Twitter.

Por que isso importa?

Os rohingyas compõem um grupo étnico muçulmano minoritário de Mianmar, no sudeste da Ásia. Embora vivam nos estados de Rahkine e Chin, no oeste do país, não têm direito à cidadania e são perseguidos pelas autoridades locais, com relatos de assassinatos, estupros e outros abusos.

Investigações indicam que os militares birmaneses foram responsáveis ​​por atrocidades que incluem mutilações, crucificações, queima e afogamento de crianças, numa ação deliberada de “limpeza étnica” hoje classificada globalmente como genocídio. Ativistas de direitos humanos pressionam há tempos por esforços internacionais para responsabilizar Mianmar por crimes contra a humanidade.

Diante desse cenário, cerca de um milhão de pessoas da minoria fugiram para Bangladesh desde 2017, sendo abrigados em precários campos para refugiados como o de Cox’s Bazar, o mais superlotado do mundo.

Outros 600 mil rohingyas continuam em Mianmar, vivendo sob as leis opressivas do governo militar que comanda o país. A perseguição é tão violenta que tornou-se habitual as pessoas lotarem embarcações rumo a Bangladesh, embora as condições que os esperam no destino sejam terríveis e o trajeto até lá seja extremamente perigoso.

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