Mongólia cita dependência energética ao justificar por que não prendeu Vladimir Putin

Embora seja membro do Tribunal Penal Internacional, país asiático recebeu o líder russo e ignorou mandado de prisão contra ele

O presidente russo Vladimir Putin não foi incomodado pelas autoridades da Mongólia em sua recente passagem pelo país, um flagrante desrespeito ao mandado de prisão emitido contra ele pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Questionado pelo site Politico, o governo da nação asiática justificou a atitude com base em sua “neutralidade política” e na dependência energética em relação à Rússia.

“A Mongólia importa 95% de seus produtos de petróleo e mais de 20% de eletricidade de nossa vizinhança imediata, o que anteriormente sofreu interrupção por razões técnicas. Este fornecimento é crítico para garantir nossa existência e a de nosso povo”, disse um porta-voz do governo mongol, referindo-se também às relações comerciais com a China.

Com a visita, a Mongólia torna-se o primeiro país-membro do TPI a receber Putin desde a emissão do mandado de prisão, em março de 2023. Em agosto do ano passado, o líder russo chegou a cancelar sua passagem pela África do Sul sob o risco de ser detido, dado o compromisso de todos os signatários do Estatuto de Roma, o tratado que criou o tribunal, de cumprir suas determinações legais.

Cerimônia oficial de boas-vindas realizada pelo presidente da Mongólia, Ukhnaagiin Khurelsukh, ao presidente da Rússia, Vladimir Putin (Foto: Kremlin)

Em abril do ano passado, o professor de Direitos Humanos e Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie Flávio de Leão Bastos Pereira explicou a situação jurídica em entrevista À Referência. Segundo ele, o cumprimento do mandado de prisão é “obrigatório para qualquer país em que [Putin] pise e seja membro do TPI”.

No caso da Mongólia, a adesão à corte ocorreu em 2003, e o governo mongol chegou a nomear um juiz de sua Suprema Corte, Erdenebalsuren Damdin, para se juntar ao TPI. Ainda assim, não seguiu as ordens do órgão, o que pode render um processo judicial, embora com punição pouco efetiva.

“A Mongólia certamente será processada pelo Tribunal Penal Internacional por violar seu dever de cooperação”, disse ao Politico Tamás Hoffmann, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Jurídicos. “O TPI pode então decidir encaminhar o caso à Assembleia das Partes, que pode condenar a violação da Mongólia sob um chamado procedimento de não conformidade. No entanto, não há consequências sérias, como sanções, para o país infrator.”

Além da questão energética, o porta-voz deixou claro que seu governo não está disposto a entrar em atrito com um vizinho poderoso como Moscou. “A Mongólia sempre manteve uma política de neutralidade em todas as suas relações diplomáticas, como demonstrado em nossas declarações registradas até o momento”, disse.

O mandado de prisão contra o Putin está atrelado à deportação ilegal de crianças ucranianas durante o conflito na Ucrânia, ação considerada um crime de guerra. Como ele, foi atingida também a comissária presidencial da Rússia para os direitos das crianças Maria Lvova-Belova, acusada de ligação com a deportação ilegal de cerca de 700 mil crianças ucranianas.

Mais recentemente, em junho de 2024, a corte também emitiu mandados contra o ex-ministro da Defesa russo Sergei Shoigu e o chefe do Estado-Maior Valery Gerasimov. Os dois são acusados de “crimes internacionais cometidos pelo menos entre 10 de outubro de 2022 e pelo menos 9 de março de 2023”.

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