Português é condenado em Hong Kong e mostra que nem estrangeiros se livram da repressão

Joseph John, que vive no Reino Unido, é o primeiro estrangeiro preso com base na lei de segurança nacional do território chinês

Joseph John, que também atende pelo nome chinês Wong Kin-chung, é cidadão português e vive no Reino Unido, onde criou um grupo ativo na internet que contestava o domínio de Beijing sobre Hong Kong. O fato de ser estrangeiro e de ter se manifestado no exterior, em um país onde a liberdade de expressão é respeitada, não bastou para salvá-lo. Dono de um cartão permanente de identidade honconguês, ele foi acusado de “incitamento à secessão”, julgado e condenado a cinco anos de prisão, segundo informações da rede BBC.

Este é o primeiro caso de que se tem notícia de de um cidadão estrangeiro preso em Hong Kong com base na versão antiga da lei de segurança nacional, que entrou em circulação em 2020 por imposição da China. A normativa legal deu ao governo poder para silenciar a oposição e encarcerar os críticos, criminalizando qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.

No caso de John, o que motivou a acusação foi uma série de postagens feitas na internet em nome de um grupo pouco conhecido chamado Partido da Independência de Hong Kong, que era administrado por ele e sediado no Reino Unido. Nos canais, a organização pregava uma intervenção estrangeira contra o domínio chinês do território após os protestos por democracia de 2019.

Agentes da polícia de Hong Kong em ação, julho de 2023 (Foto: facebook.com/HongKongPoliceForce)

As páginas do Partido da Independência de Hong Kong foram encerradas em 2022, mesmo ano em que o português retornou ao território para visitar a mãe doente. Lá, foi detido e acusado formalmente. Preso desde então, teve o pedido de fiança negado pelo Judiciário, algo que tem se tornado comum em casos ligados à lei de segurança nacional.

“O réu não hesitou em distorcer a história, demonizar o governo chinês e encorajar a destruição da Região Administrativa Especial de Hong Kong e dos governos chineses através de meios políticos e até militares”, disse o juiz na sentença, segundo a rede Radio Free Asia (RFA).

Alcance global

O caso de John é mais um que mostra o efeito global da repressão chinesa, como advertiu em julho de 2020 a Anistia Internacional, que inclusive fechou seu escritório em Hong Kong. Assim que a antiga lei foi anunciada, a ONG disse que qualquer pessoa no mundo, “independentemente de nacionalidade ou localização”, poderia ser tecnicamente considerada como tendo violado a lei e poderia ser presa e processada se estivesse em uma jurisdição chinesa, ainda que apenas em trânsito.

Embora os estrangeiros também estejam ao alcance da repressão, são os cidadãos locais as principais vítimas, mesmo que não vivam mais no território ou que tenham dupla cidadania.

“As autoridades de Hong Kong estão tentando disciplinar os residentes de Hong Kong no exterior, informando-os de que o Big Brother ainda os vigia mesmo quando estão em outros países”, disse à época Sunny Cheung, um ativista exilado de Hong Kong e membro não residente do think tank Fórum do Pacífico, sediado no Havaí, território norte-americano.

Nova legislação

A lei usada contra John será em breve substituída por outra semelhante, porém mais dura e abrangente, que já foi aprovada. O novo texto prevê punições para crimes como traição, insurreição, incitação de membros das Forças Armadas ao motim e conluio com forças externas. O texto também cita o crime de sedição, que não constava no antigo, e os casos mais graves são puníveis com a prisão perpétua.

Determinadas partes do projeto de lei são claramente baseadas na experiência das autoridades locais com os protestos por democracia que explodiram em 2019. No documento de consulta pública, os manifestantes foram citados no trecho que prevê a pena máxima para casos de sabotagem. O governo destacou, por exemplo, os dados causados ao transporte público como passíveis de uma punição severa.

A nova lei foi criada por uma determinação legal. A Lei Básica, uma espécie de Constituição do território, exigia em seu artigo 23 que um mecanismo legal próprio fosse estabelecido para substituir o anterior, este imposto emergencialmente pela China em 2020 para conter as manifestações populares pró-democracia de 2019.

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