As forças rebeldes que enfrentam o governo militar de Mianmar anunciaram uma importante vitória na segunda-feira (5). Eles assumiram o comando de uma importante base militar no estado de Shan e capturaram ao menos dois oficiais das Forças Armadas, na primeira ação do tipo em meio às seguidas derrotas das tropas do governo. As informações são da Rede Radio Free Asia (RFA).
A vitória dos rebeldes foi confirmada pela própria junta militar que governa o país. “Nós mantivemos comunicação com os oficiais superiores até as 18h30 do dia 3 de agosto, mas estamos sem contato até agora”, disse o porta-voz da junta, major-general Zaw Min Tun, em comunicado. “De acordo com relatos não confirmados, alguns oficiais superiores foram presos por insurgentes terroristas.”
A tomada de poder na citada base ocorre em meio às seguidas derrotas que das tropas governamentais nos confrontos com a coalização rebelde, batizada de Tríplice Aliança. Ela é formada pelo Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA), que conquistou a recente vitória, pelo Exército Arakan e pelo Exército de Libertação Nacional de Ta’ang.
Embora o porta-voz não tenha divulgado quantos oficiais estão sob poder dos rebeldes, a mídia estatal deu os nomes e as patentes de ao menos dois deles: o chefe do Estado-Maior Regional, brigadeiro-general Thant Htin Soe, e o chefe do Quartel-General de Operações e Comando baseado em Kyaukme, brigadeiro-general Myo Min Htwe.
Na avaliação do analista político Than Soe Naing, a perda da base é relevante para as forças do governo, pois se trata do “maior comando militar no estado de Shan.”
Mesmo o chefe da junta, general Min Aung Hlaing, que recentemente assumiu oficialmente o governo, não esconde mais o insucesso de suas tropas. “Esforços serão feitos para restaurar a paz e a estabilidade em todo o país, incluindo o norte do estado de Shan”, disse ele em um discurso na semana passada.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão da líder democrática Aung San Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.