Sem apoio do governo, norte-coreanos recorrem ao mercado informal para se alimentar

Entrevistas feitas por Seul com desertores mostram que Pyongyang não vem entregando comida suficiente à população

A fome é uma dura realidade na Coreia do Norte, e o governo não tem feito o suficiente para ajudar seus cidadãos a enfrentarem o problema. Essa é a constatação de um estudo realizado pela Coreia do Sul com mais de 6,3 mil desertores entrevistados entre 2013 e 2022, cujos resultados foram divulgados pela primeira vez na terça-feira (6). As informações são da agência Reuters.

O estudo, que gerou um relatório de 280 páginas, indica que a situação piorou no século 21, com cerca de 72% dos entrevistados que fugiram para o Sul entre 2016 e 2020 dizendo nunca terem recebido comida do governo. Entre os que fugiram antes do ano 2000, a porcentagem cai para 62%.

A pesquisa também revelou que a melhor forma de obter dinheiro no país comunista é trabalhando no mercado informal de alimentos, de onde quase 69% dos entrevistados disseram tirar seu sustento e sua alimentação. A porcentagem cai para 39% entre os que desertaram antes do ano 2000.

Um trem movimentado na estação de metrô de Kaeson, Pyongyang (Foto: Thomas Evans/Unsplash)

Atuar no mercado informal de alimentos, entretanto, apresenta riscos enormes. Em setembro de 2023, a rede Radio Free Asia (RFA) relatou que sete homens e duas mulheres foram executados em público sob a acusação de contrabando de carne. As mortes teriam sido presenciadas por uma multidão de cerca de 25 mil pessoas reunidas pelo governo no aeroporto de Hyesan, no noroeste do país.

Segundo moradores da região, os condenados seriam integrantes de um grupo que comprou, abateu e revendeu a carne de cerca de 2,1 mil vacas pertencentes ao governo. O produto era entregue a mercados e empresas que então o revendiam à população.

A pesquisa sul-coreana indica ainda que mesmo o dinheiro ganho pela população por vezes acaba nas mãos do governo. Considerando o período em que Kim Jong-un está o poder, desde 2011, 41% dos norte-coreanos ouvidos dizem que ao menos 30% de sua renda foi entregue a autoridades estatais. Já 54% dos norte-coreanos que fugiram entre 2016 e 2020 alegam ter subornado agentes do governo.

As constatações da pesquisa feita por Seul vão na contramão de uma afirmação recente de Kim. Em janeiro, durante reunião do Partido dos Trabalhadores da Coreia, que governa o país, ele tocou no assunto e disse que a subsistência da população é uma prioridade estatal.

“Hoje, o fracasso em fornecer satisfatoriamente às pessoas nas áreas locais as necessidades básicas de vida, incluindo condimentos, alimentos e bens de consumo, surgiu como uma questão política séria que o nosso Partido e governo nunca podem ignorar”, disse o líder, segundo a agência estatal KCNA.

A realidade, porém, é dura e leva cada vez mais pessoas a arriscarem a própria vida para fugir. O número de desertores norte-coreanos que foram para a Coreia do Sul quase triplicou em 2023 na comparação com os dois anos anteriores, segundo dados apresentados pelo Ministério da Unificação sul-coreano em janeiro.

Em 2023, 196 desertores chegaram ao Sul, a maioria com idades entre 20 e 30 anos, sendo 84% mulheres ou meninas. Apesar de ser uma fração dos números pré-pandêmicos (1.047 em 2019), representa um aumento significativo após a queda durante a pandemia de Covid-19. Em 2020, as já restritas fronteiras foram fechadas, intensificando o isolamento do país. Apenas 63 pessoas conseguiram entrar na Coreia do Sul em 2021, e 67 em 2022, conforme dados do governo.

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