Sem os votos de Rússia e China, ONU pede o fim dos bombardeios em Mianmar

Nove membros do Conselho de Segurança condenaram a junta militar pelos ataques indiscriminados contra a população civil

Na segunda-feira (5), nove dos 15 membros do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), Equador, França, Japão, Malta, Coreia do Sul, Eslovênia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos, condenaram os ataques aéreos indiscriminados do Exército de Mianmar contra civis. Esses bombardeios têm sido a essência da estratégia militar da junta que controla o país e está amargando derrotas para grupos rebeldes armados. As informações são da agência Associated Press.

Em uma declaração conjunta, que marcou o aniversário de três anos do golpe militar, ocorrido em 1º de fevereiro de 2021, os Estados-Membros instaram as Forças Armadas de Mianmar a interromperem os ataques contra civis e infraestrutura civil. A Rússia não concordou com a decisão, argumentando que ela interfere nos assuntos do governo local. Já a China afirmou que é preciso dar um voto de confiança à Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático) para conduzir a questão.

A “intensidade prolongada” das hostilidades faz de Mianmar um campeão global em violência, segundo estudo do Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados (ACLED, da sigla em inglês). O golpe militar desencadeou uma guerra civil, e um plano de paz sugerido em 2021 vem sendo desde então ignorado pelo regime do general Min Aung Hlaing.

O plano, que agora o Conselho de Segurança insta o governo a acatar, inclui o fim imediato da violência, diálogo entre todas as partes envolvidas, mediação por um enviado especial da Asean, provisão de ajuda humanitária através do bloco econômico e uma visita do enviado especial a Mianmar para se reunir com todas as partes envolvidas.

Oficial das forças de Mianmar perto de uma casa incendiada no estado de Rakhine (Foto: WikiCommons)
Ajuda humanitária urgente

Desde que assumiram o poder em fevereiro de 2021, as forças birmanesas enfrentam resistência de grupos armados pró-democracia. O principal expoente é a Tríplice Aliança, uma coalizão composta por três formações rebeldes: o Exército Arakan, o Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA) e o Exército de Libertação Nacional de Ta’ang. 

Por conta de uma grande ofensiva lançada pelos rebeldes e outros grupos étnicos aliados no final de outubro, o Exército nacional passou a sofrer seguidas derrotas e a perder território. Em resposta, intensificou os bombardeios, com um aumento das vítimas civis.

Os nove membros do Conselho de Segurança da ONU que assinaram o comunicado expressaram preocupação com a situação, destacando que mais de 18 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária e 2,6 milhões continuam deslocadas desde o golpe militar. Eles também enfatizaram a necessidade de melhor acesso humanitário e manifestaram preocupação com a situação no estado de Rakhine, onde mais de um milhão de rohingyas fugiram após uma operação militar brutal em 2017.

Essas nações manifestam crescente preocupação com a minoria étnica muçulmana, que enfrenta discriminação sistemática e violações de direitos humanos, destacando as restrições à liberdade de movimento e acesso a cuidados médicos.

No comunicado, os signatários exigem a implementação da primeira resolução do Conselho de Segurança sobre Mianmar, incluindo o fim imediato da violência e a libertação de todos os prisioneiros detidos arbitrariamente, entre eles a líder democrática Aung San Suu Kyi e o presidente Win Myint.

Os EUA ainda pressionaram por uma resolução do Conselho de Segurança executável para impedir a aquisição de combustível de aviação pela junta militar, o que ajudaria a enfraquecer sua Força Aérea e a conter os bombardeios. Porém, China e Rússia insistiram na política de não interferência.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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