A diplomacia chinesa mudou depois da pandemia do novo coronavírus. Beijing “substituiu cortesia por intimidação”, diz o diário britânico “Financial Times“, e “pulou de cabeça em uma briga furiosa pela narrativa da pandemia”.
A “diplomacia ‘wolf warrior'” (do inglês “lobo guerreiro”), como tem sido definida por analistas, é baseada no conflito direto com outras nações que questionem ações chinesas no campo diplomático.
O nome vem da série de filmes onde chineses combatem mercenários ocidentais – o vilão norte-americano se chamava “Big Daddy” (paizão, do inglês). O segundo longa, de 2017, arrecadou quase US$ 900 milhões e foi o primeiro filme feito fora dos EUA a entrar no Top 100 de bilheteria global.
Na diplomacia, consiste em ataques dos chineses a funcionários de governos estrangeiros em mídias sociais. Há boas doses de desinformação “para desviar a culpa pelo vírus”, diz o jornal norte-americano “Los Angeles Times“.
A maioria desses ataques acontece em mídias ocidentais, como o Twitter e o Facebook, banidas na China.

Parte dessa estratégia está concentrada no porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijan, expoente dessa diplomacia do confronto, apontou o colunista da “Bloomberg” Mihir Sharma.
“Ele se destacou juntando competências que têm se tornado parte do arsenal diplomático da nova era: indução a erro, desinformação e agressões nas mídias sociais”, afirmou Sharma. “Colecionou centenas de milhares de seguidores no Twitter e uma promoção”.
A imprensa oficialista chinesa também contribui com os ataques “wolf warrior”: na semana passada, o secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo tornou-se “inimigo público da humanidade”, segundo o “LA Times”.
Há notícias de teorias da conspiração afirmando que a doença é uma criação de Washington para prejudicar a China — a mesma versão, com os sinais trocados, circula pelos EUA.
Nas últimas semanas, houve também ameaça de boicote a produtos australianos depois que Canberra propôs uma investigação sobre a postura chinesa no início da pandemia do novo coronavírus.
A China também pressionou governos, como a República Tcheca e a Nova Zelândia, a agradecer publicamente por doações de máscaras.
Atribui-se à China a história de que idosos contaminados seriam deixados à beira da morte nos asilos da França. Os americanos doentes também estavam “sendo largados para morrer”, de acordo com um âncora televisivo chinês, informou o “LA Times”.
Segundo o “Financial Times”, a China está convencida de que a resposta atrapalhada de EUA e Europa ao coronavírus é uma deixa para que o país aumente seu espaço como potência global.
É essa a conclusão do estudo publicado em janeiro “China’s Vision for a New World Order”, de Nadège Rolland, especialista em política e segurança internacional do National Bureau of Asian Research.
O material, anterior à pandemia, observa que essas iniciativas chinesas não são “mera propaganda ou slogans vazios”. Pelo contrário: seriam uma construção gradual de uma nova ordem internacional almejada pelo Partido Comunista Chinês.
Não se trata de hegemonia total, segundo a especialista. Para Rolland, há a possibilidade do surgimento de um novo sistema bipolar, “onde países emergentes e em desenvolvimento podem tornar-se novamente campo de batalha para uma influência global das grandes potências”.