Onda de violência força mulheres jornalistas afegãs a abandonar funções

Cercadas por assassinatos e ameaças, mais de 300 jornalistas deixaram a imprensa afegã de janeiro a junho de 2020

O aumento da violência no Afeganistão está forçando jornalistas da imprensa afegã – em especial as mulheres – a abandonar a profissão por meio de ataques ou até assassinatos. A presença dessas profissionais nas redações caiu 18% no primeiro semestre de 2020, informou o Comitê dos Jornalistas Afegãos no último dia 8.

Não há nenhuma mulher jornalista trabalhando em veículos de comunicação em nove das 34 províncias do país. De cerca de 1,7 mil profissionais em 2020, restam 1,3 mil – número que reúne demitidas ou assassinadas.

O medo dos jornalistas aumentou mesmo após a tentativa de acordo assinada pelos EUA e Taleban em fevereiro de 2020. Desde então, os números de assassinatos cresceram 169% em todo o Afeganistão. Os profissionais de mídia e os civis estão entre os principais alvos, apontou um relatório da Comissão de Direitos Humanos do Afeganistão.

Onda de violência força mulheres jornalistas afegãs a deixar mídia
A jornalista afegã Malalai Maiwand, morta em ataque do Estado Islâmico em dezembro de 2020, em Cabul (Foto: Reprodução/CPAWY)

As mulheres jornalistas entraram na mira do Taleban e do Estado Islâmico a partir de 2015, quando houve uma expansão da indústria de notícias afegã. Baseados na lei religiosa da sharia, os talibãs desaprovam mulheres no mercado de trabalho e punem quem descumpre a regra.

O Taleban notabilizou-se pelo histórico de violência às mulheres, que inclui o uso da burqa, véus que cobrem todo o corpo e o bloqueio no acesso à educação e ao emprego durante o período em que dominaram o Afeganistão, entre 1996 e 2001.

Consequências

“Trabalhar no Afeganistão como jornalista sempre foi um risco, mas as coisas pioraram – especialmente se você é uma mulher na mídia”, relatou a jornalista Sofiea Karimi ao portal indiano News Laundry.

Karimi teve de deixar sua recém-iniciada carreira como apresentada no ano passado, aos 21 anos. O motivo, segundo ela, foram os ataques e ameaças contínuas a colegas e amigos. “Alguns sobreviveram, outros foram mortos”, relatou.

Em dezembro, a proeminente repórter Malalai Maiwand foi assassinada em um atentado reivindicado pelo Estado Islâmico. No dia 3, três funcionárias da emissora Enikass TV foram mortas em dois ataques ao sul do país.

Em consequência, a emissora “suspendeu” sua equipe feminina por medo de novos ataques. A onda de desistência dessas profissionais também cresceu, muitas forçadas por suas famílias.

À RFE (Radio Free Europe), a jornalista Samira, que já deixou o país, vê os ataques como uma forma do Taleban enfraquecer Cabul, com quem disputa um acordo de paz. “Civis se tornaram peões em um jogo político”, disse.

“Enquanto o Taleban aterroriza a população para desacreditar o governo, o governo usa os ataques para condenar o Taleban. No final, só há impunidade. Ou você fica e espera a sua vez de ser morto, ou sai do país. Não há como se proteger”.

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