Anistia Internacional diz que Rússia deve enfrentar a justiça por crimes de guerra

ONG pede que autoridades internacionais e outros grupos garantam preservação das provas para futuros processos

A Anistia Internacional (AI) disse na sexta-feira (6) que possui “evidências convincentes” de que forças russas cometeram crimes de guerra na Ucrânia, reunidas após extensa investigação. A organização, que integra uma campanha global de governos e outras frentes contra os abusos no Leste Europeu, disse que o exército de Vladimir Putin deve enfrentar a Justiça e ser responsabilizado por suas supostas atrocidades.

De acordo com a AI, seu time de investigadores coletou indícios de vários crimes de guerra executados por tropas de Moscou em áreas no entorno de Kiev entre os meses de fevereiro e março. Entre as violações foram listadas execuções, tortura e ataques a prédios civis.

A secretária-geral da Anistia, Agnès Callamard, disse que a organização tem em mãos um documento que retrata um “padrão de crimes cometidos por forças russas”. Intitulado ‘He’s Not Coming Back’: War Crimes in Northwest Areas of Kiev Oblast’ (“Ele não vai voltar”: Crimes de Guerra nas áreas noroeste de Kiev Oblast”, em tradução literal), o material foi organizado com base em dezenas de entrevistas e extensa revisão de evidências materiais, que atestam, inclusive, assassinato de civis.

Ofensivas russas têm destruído bairros inteiros, deixando milhares desabrigados (Foto: Ukraine NOW/Reprodução Telegram)

“Conhecemos famílias cujos entes queridos foram mortos em ataques horríveis e cujas vidas mudaram para sempre por causa da invasão russa”, disse Agnès. “Apoiamos suas demandas por justiça e apelamos às autoridades ucranianas, ao TPI (Tribunal Penal Internacional) e outros para garantir que sejam preservadas evidências que possam apoiar futuros processos por crimes de guerra”.

Entre as evidências coletadas pelo grupo, que trabalhou durante 12 dias sob a coordenação da secretária-geral da AI, estão cápsulas de munições, danos causados ​​por bombas e documentos deixados por soldados russos. Foram ouvidos moradores de Bucha, Borodyanka, Novyi Korohod, Andriivka, Zdvyzhivka, Vorzel, Makariv e Dmytrivka.

Os pesquisadores estiveram em locais onde vários assassinatos teriam sido cometidos. Segundo eles, 45 pessoas ouvidas testemunharam ou tiveram conhecimento em primeira mão de assassinatos ilegais de seus parentes e vizinhos por soldados russos.

Segundo a ONG, a equipe apurou 22 casos de assassinatos ilegais cometidos pelo exército russo em Bucha e outras áreas próximas a noroeste de Kiev, “a maioria dos quais eram aparentes execuções extrajudiciais”.

Já na cidade de Borodyanka, a Anistia Internacional denuncia a morte de pelo menos 40 civis, vitimados em ataques “desproporcionais e indiscriminados”. As ofensivas teriam sido tão intensas que devastaram um bairro inteiro, deixando milhares de desabrigados.

A AI é a mais recente organização a alegar crimes de guerra cometidos por forças russas na Ucrânia e um dos muitos grupos que investigam o assunto. Suas forças foram acusadas de atacar civis e áreas residenciais, violência sexual, execuções extrajudiciais, tortura e uso de armas restritas.

O governo da Ucrânia anunciou no final de abril que está preparando as primeiras acusações de crimes de guerra contra dez soldados russos – inclusive uma lista com seus nomes foi divulgada. Entre eles estão três pilotos suspeitos de bombardear edifícios civis nas regiões de Kharkiv e Sumy, além de dois operadores de lança-foguetes que atingiram assentamentos em Kharkiv. Outros dois militares são acusados de matar um civil e estuprar a mulher dele.

Ao mesmo tempo, o país investiga mais de 9 mil supostos crimes de guerra cometidos por tropas russas. O Tribunal Penal Internacional, apoiado por dezenas de países, iniciou uma investigação.

O massacre de Bucha

A pressão dos governos ocidentais contra a Rússia aumentou consideravelmente depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.

“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.

Civis mortos nas ruas de Bucha cidade ucraniana (Foto: reprodução/Twitter)

Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.

Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.

Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.

Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.

“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.

Os mortos de Putin

Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.

Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.

A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.

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