Armênia desiste do papel de satélite russo e busca um novo rumo geopolítico

País reforça laços com a União Europeia e os Estados Unidos após se ver abandonado por Moscou durante os ataques do Azerbaijão

A histórica aliança entre Armênia e Rússia, que perdurou por décadas desde o fim da União Soviética, está se desintegrando de forma visível e acelerada. Em meio a reviravoltas diplomáticas, o governo armênio tem deixado claro que já não vê Moscou como seu principal fiador de segurança, conforme análise do jornalista Jason Corcoran publicada pelo jornal The Moscow Times.

O ponto de ruptura veio à tona em 2021 e 2022, quando o Azerbaijão lançou ofensivas contra o território armênio. Esperava-se uma resposta da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), liderada por Moscou. Em vez disso, Yerevan recebeu o silêncio. A desilusão se aprofundou em 2023, quando forças azeris tomaram Nagorno-Karabakh sob a inação de tropas russas posicionadas na região.

Em resposta, o primeiro-ministro Nikol Pashinyan suspendeu a participação da Armênia nas atividades da CSTO e tem rejeitado convites para cúpulas do bloco. Fontes próximas ao governo afirmam que o país não pretende retornar e pode abandonar a aliança de vez. Paralelamente, a Armênia vem firmando novas parcerias. Um diálogo estratégico com os EUA foi inaugurado em abril deste ano, focado em reformas democráticas e cooperação na área de segurança.

O premiê da Armênia, Nikol Pashinian (esq.), e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, maio de 2018 (Foto: Kremlin/divulgação)

Esse movimento se reflete na presença internacional no recente Diálogo de Yerevan, fórum sobre paz e segurança. Estiveram presentes representantes da Índia, França, Alemanha, Reino Unido, Polônia, Irã e União Europeia — mas ninguém da Rússia. O gesto simboliza a perda de protagonismo de Moscou no Cáucaso Sul.

Apesar das tentativas russas de recuperar influência, como a nomeação de Sergei Kiriyenko para coordenar ações políticas pró-Kremlin no país, a receptividade tem sido escassa. Em tom de ironia, um integrante do partido de Pashinyan ouvido por Corcoran disse que a única do país na relação com os russos é não dividir fronteira com eles. Para conter o avanço do Ocidente, a estratégia de Moscou inclui propaganda digital, apoio a opositores e articulações nos bastidores, mas enfrenta resistência popular.

A rejeição é crescente. Segundo pesquisa do Instituto Republicano Internacional, apenas 31% dos armênios viam com bons olhos a aliança com a Rússia em 2024 — número que era de 93% em 2019. Hoje, os jovens do país mostram mais interesse por empregos no Vale do Silício e viagens à Europa do que pelas promessas do antigo aliado soviético.

A presença russa ainda é visível em empresas como Gazprom e VTB, e o comércio bilateral continua relevante. Mas, como mostram os gestos diplomáticos, inclusive a recusa de uma missão de fronteira russa em favor de uma europeia, o eixo de confiança se desloca rapidamente.

A visita do chanceler russo Sergei Lavrov a Yerevan, no mês passado, foi amplamente interpretada como uma tentativa de reafirmar a influência do Kremlin. O gesto se deu após Pashinyan viajar a Moscou no Dia da Vitória, em 9 de maio, num movimento calculado para demonstrar que a reaproximação com o Ocidente não implica um rompimento total com a Rússia. Mas a Armênia tampouco vai manter uma relação de submissão. O país agora busca autonomia e equilíbrio em um novo tabuleiro geopolítico..

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