Autoridade europeia admite evasão de sanções, mas diz que economia russa está sufocada

Enviado de sanções da UE destaca o desafio que se tornou para Moscou comprar itens de uso duplo usados pelas Forças Armadas

As sanções impostas pela União Europeia (UE) à Rússia em função da guerra da Ucrânia têm funcionado, a ponto de a economia do país enfrentar um momento difícil, sem perspectiva de recuperação a curto prazo. Esta é a avaliação de David O’Sullivan, enviado especial internacional do bloco europeu para a implementação de sanções, que falou em entrevista à rede Euronews.

Segundo O’Sullivan, o maior problema enfrentado pela população russa no momento está ligado à necessidade do governo de investir maciçamente nas Forças Armadas. Ele destaca que, atualmente, “30% da despesa pública russa vem sendo destinada ao setor militar, quase 10% do PIB (produto interno bruto).” Isso permite à economia continuar crescendo, mas os números escondem um problema sério.

“Se colocarmos a nossa economia em pé de guerra, é claro que podemos dobrar tudo ao interesse dos militares, mas estamos canibalizando a economia. Não há nenhum investimento em assistência social, educação, saúde, em pesquisa. Portanto, o prognóstico para a economia russa, e esse é o terceiro objetivo de reduzir a sua capacidade industrial, o prognóstico não é bom”, afirmou ele.

David O’Sullivan, enviado especial internacional para a implementação das sanções da União europeia (Foto: European Comission/divulgação)

Ao justificar sua análise, a autoridade europeia destaca ainda o déficit dos gastos públicos da Rússia, situação incomum para o país. “O governo russo tinha tradicionalmente um excedente nos seus gastos públicos”, explicou.

Mesmo no setor militar, que tornou-se o principal foco da indústria russa em tempos de guerra, as sanções surtem efeito, diz ele. Embora seja capaz de driblar parcialmente as proibições, buscando fontes alternativas para obter produtos sancionados, Moscou precisa de criatividade. E dispõe de muito menos dinheiro para fazer compras.

“Vemos a Rússia lutando para obter a tecnologia de que necessita, recorrendo ao Irã ou à Coreia do Norte. E vemos evidências de que os russos estão tendo que lançar armas mais antigas, tanques mais antigos, a fim de manter seus militares equipados”, disse O’Sullivan. “Do lado das receitas, estimamos que os russos tenham provavelmente cerca de 400 bilhões de euros a menos para gastar.”

Os desafios não se limitam à compra de armas, mas sobretudo ao acesso a itens de uso duplo, aqueles que têm função tanto civil quanto militar. São semicondutores, fibra óptica, cartões de memória e outros produtos aparentemente inofensivos, porém cruciais para equipar um exército moderno.

“São em grande parte fabricados com tecnologia dos EUA ou da UE. Eles não são facilmente replicados em outros países”, declarou. “Portanto, é difícil para a Rússia obtê-los, uma vez que deixamos de exportá-los e persuadimos os países, os países intermediários, a não os reexportarem mais para a Rússia.” 

O principal obstáculo enfrentado pela UE ao impor as sanções é o petróleo russo, que continua a circular. De acordo com O’Sullivan, sanções nesse campo foram evitadas porque diversos países do Sul Global dependem do produto e acabariam punidos. “Assumimos a posição de que permitiríamos que esses fluxos continuassem”, afirmou.

No geral, entretanto, ele avalia positivamente o efeito das sanções. “Em termos de eficácia, quero dizer, honestamente, tínhamos três objetivos. Um deles era privar a Rússia, os militares russos, da tecnologia. O segundo era privar o governo russo das receitas. E o terceiro era impor um custo elevado ao complexo militar-industrial. Em todos esses três objetivos, acho que tivemos bastante sucesso.”

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