Desde o início da invasão russa na Ucrânia, em 2022, a ocupação de terras agrícolas produtivas tem sido um dos reflexos mais diretos do conflito sobre o setor agropecuário. Com cerca de 18% de suas terras aráveis comprometidas devido à presença militar russa e a atividades como mineração e bloqueios logísticos, Kiev perdeu a posição de principal fornecedora de óleo de canola para a União Europeia (UE), abrindo espaço para um novo protagonista: Belarus. As informações são da Radio Free Europe.
Apenas no primeiro semestre de 2024, os países da UE importaram 90,4 mil toneladas de óleo de canola – cultivada por suas sementes oleaginosas, que são usadas para produzir óleo vegetal e ração animal – Belarus, movimentando 67,7 milhões de euros. Esse aumento expressivo nas exportações contrasta com o volume de 2021, quando a Ucrânia ainda liderava as vendas para o bloco europeu.
A origem dessas matérias-primas, no entanto, levanta questionamentos. Investigações conduzidas pela reportagem revelaram que grande parte de canola processada em Belarus tem origem em regiões ucranianas ocupadas, especialmente Kherson, conhecida historicamente como o “celeiro da Ucrânia”.

Registros vazados confirmam que, ao longo de 2023, pelo menos 5 mil toneladas de colza foram transportadas ilegalmente de Kherson para Belarus por meio de empresas russas, incluindo a Torgtreyd e a Agrotreyd, ambas com ligações próximas ao Kremlin. Outras transportadoras russas, como a Veles-Agro, também estiveram envolvidas nessas operações. Uma das principais beneficiárias desse esquema é a Agroprodukt, uma das maiores processadoras e exportadoras de óleo de canola belarusso.
A Agroprodukt, cujo diretor Aleh Tsiasliuk admitiu em 2023 a escassez de matéria-prima no país, tem laços diretos com o regime de Lukashenko. A empresa é controlada em 70% pela Tranzit-Avto 2003, uma companhia sancionada pela Ucrânia por seu envolvimento na logística de transporte de soldados russos e equipamentos militares. Dados vazados pelo grupo de hacktivistas Cyber Partisans mostram que o proprietário da Tranzit-Avto 2003, Alyaksey Shvedov, viajou diversas vezes com altos funcionários do governo belarusso, sugerindo uma conexão direta entre o setor privado e a administração de Lukashenko.
Apesar das sanções ocidentais contra Belarus, as exportações de alimentos do país seguem sem restrições na maioria dos estados-membros da UE. A exceção é a Lituânia, que impôs, em junho de 2024, uma proibição à importação de produtos agrícolas belarussos e russos, alegando razões de segurança nacional. No entanto, investigações revelaram que empresas lituanas de transporte seguem facilitando a entrada de óleo de canola da Agroprodukt na UE através da Letônia e da Polônia. Entre essas empresas, destaca-se a TLSC, cujo gerente admitiu ao portal 15min.lt que os produtos podem ser reencaminhados por rotas alternativas para contornar as restrições.
Na Letônia, a empresa de logística KIF é uma das quatro importadoras do óleo de canola belarusso, registrando um crescimento no faturamento de mais de 100% desde o início da guerra. Quando questionados pela TV3, um representante da KIF afirmou desconhecer a origem potencialmente ilegal das matérias-primas, mas prometeu revisar seus fornecedores.
O vazamento de dados da Comunidade de Trabalhadores Ferroviários de Belarus, um coletivo de oposição exilado, revelou detalhes ainda mais sensíveis sobre a triangulação do comércio. Documentos obtidos indicam que a Agroprodukt tem adquirido canola listada como “região de Kherson” na “Federação Russa” — um claro indício da incorporação ilegal de territórios ucranianos pela administração ocupacionista russa.
Diante das novas revelações, autoridades ucranianas e europeias começam a considerar medidas mais duras. Vladyslav Vlasiuk, comissário de sanções do governo ucraniano, declarou que as atividades da Agroprodukt representam uma “ameaça real à integridade territorial da Ucrânia”, o que pode levar à imposição de sanções contra a empresa. Se essas restrições forem aplicadas, Belarus pode enfrentar dificuldades significativas para manter sua atual posição de liderança no mercado europeu de óleo de canola, enquanto a UE se verá obrigada a buscar fornecedores alternativos para evitar o financiamento indireto da ocupação russa na Ucrânia.