Afundadas em dívidas, nações da Eurásia evidenciam os riscos da Nova Rota da Seda

Nova Rota da seda tornou-se uma armadilha financeira para países com as economias terrivelmente afetadas pela pandemia de Covid-19

O alto investimento da China em projetos de infraestrutura mundo afora, que à primeira vista parecia a salvação para muitas economias debilitadas, transformou-se em um pesadelo para nações da Eurásia inseridas na “Nova Rota da Seda” (Belt and Road Initiative, da sigla em inglês BRI). Os empréstimos tornaram-se quase impagáveis, com as finanças priorizando a salvação de sistemas de saúde em colapso devido à pandemia de Covid-19.

De acordo com o site bne IntelliNews, quatro países foram identificados em 2018 como os mais ameaçados pelas dívidas provenientes de enormes empréstimos recebidos de Beijing: Quirguistão, Mongólia, Montenegro e Tadjiquistão. O dinheiro entrou na conta dessa nações via BRI, uma iniciativa lançada pelo presidente Xi Jinping para financiar projetos de infraestrutura no exterior. Mas o cenário mudou drasticamente de lá para cá.

Rodovia no Quirguistão: quase metade da dívida externa do país se deve ao projeto chinês da Nova Rota da Seda (Foto: Pixabay/Divulgação)

A BRI começou a se desenhar após a crise financeira internacional de 2008, quando as empresas chinesas se voltaram para a Eurásia de olho em ativos industriais e comerciais. Começaram, então, a pipocar projetos de infraestrutura de transporte e energia com financiamento chinês, o principal foco da iniciativa desde então.

No início, governos da região receberam muito bem os bilhões de dólares injetados por Beijing, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

Os problemas também começam a surgir do lado chinês. Tem sido cada vez mais difícil para Beijing conseguir novos parceiros, diante dos exemplos desfavoráveis que pipocam constantemente. Não ajudam muito a causa chinesa os relatórios de think tanks norte-americanas que alertam para os riscos de contrair empréstimos vultosos através de contratos leoninos.

Praga, por exemplo, se distanciou de Beijing desde o colapso do conglomerado CEFC China Energy, que comprou várias empresas na República Tcheca. A Romênia, por sua vez, suspendeu as negociações com a empresa de energia nuclear chinesa CGN em favor de um grupo Ocidental, que assumiu o projeto de expansão de sua usina nuclear de Cernavoda.

Mas ninguém brecou os interesses chineses como a Lituânia, que abandonou a iniciativa China-CEEC (Cooperação entre a China e os Países da Europa Central e Oriental), transformando o fórum “17 + 1” em “16 + 1”. Ainda mexeu em um vespeiro ao anunciar planos para criar escritórios diplomáticos recíprocos com Taiwan, levando Beijing a retaliar com a retirada de seu embaixador de Vilnius.

Dívidas impagáveis

Entre os países inseridos na BRI, um dos casos mais complicados é o do Quirguistão, que deve US$ 1,8 bilhão à China, cifra que representa mais de 40% de sua dívida externa total, estimada entre US$ 4,8 bilhões e 5 bilhões. Quando a crise pandêmica atingiu o país, o governo pediu a Beijing o alívio da dívida em abril de 2020.

Montenegro, por sua vez, teve que refinanciar com um banco estatal europeu a dívida que contraiu com a China para pagar a construção de uma estrada, que inicialmente ligará o vilarejo de Matesevo a uma cidade próxima à capital Pogdorica. 

O acordo foi anunciado pelo ministro das finanças do país balcânico, Milojko Spajic, em meados de junho deste ano. Ele disse que conseguiu reduzir os juros de 2%, em dólares, para 1%, em euros. O acordo ainda prevê seis anos de carência, além de 20 anos para o pagamento da dívida que hoje é de US$ 809 milhões (R$ 4 bilhões).

O Tadjiquistão, que em 2011 não conseguiu pagar uma dívida com a China, conseguiu amortizar a dívida em troca de mais de mil quilômetros quadrados de terras bastante disputadas, que totalizam 0,7% de seu território. O caso mostra bem a preocupação global com o potencial da China de usar sua posição de credora para obter terras e ativos em diversas partes do mundo.

A situação menos preocupante é da Mongólia, que reagiu relativamente bem à armadilha financeira chinesa. Além do vencimento restante de US$ 133 milhões em 2021, após o refinanciamento da dívida, as duas parcelas seguintes são de US$ 800 milhões cada, em 2022 e 2023, e US$ 600 milhões em 2024.

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