Epicentro da guerra na Ucrânia, Kherson vê sinais de que russos vão se retirar

Evacuação de civis da região, no sul da Ucrânia, já começou, e general russo admite que não pode "descartar decisões difíceis"

Desde o mês de setembro, as forças da Ucrânia realizam uma bem-sucedida contraofensiva que levou à reconquista de milhares de quilômetros quadrados de território antes ocupados por Moscou. Os esforços de Kiev atualmente estão concentrados na região de Kherson, no sul do país, uma das primeiras áreas urbanas conquistadas pela Rússia no início da guerra. Por lá, uma evacuação de civis está em andamento, e analistas enxergam indícios de que as tropas russas já se preparam para bater em retirada.

A expectativa na região é de que 60 mil civis sejam evacuados da porção ocidental de Kherson, de acordo com a rede CNBC. O alerta feito aos moradores é o que de a Ucrânia prepara uma contraofensiva maciça, por isso as pessoas têm sido orientadas a cruzar o rio Dnipro e buscar abrigo em outras áreas da Ucrânia ocupadas por Moscou.

“As autoridades de ocupação emitiram uma ordem para evacuação das chamadas instituições bancárias e dos médicos e professores russos”, disse comunicado divulgado pelo Estado-Maior das Forças Armadas da Ucrânia, segundo a rede Radio Free Europe (RFE).

Kherson, centro estratégico e economicamente vital para as ambições do Kremlin (Foto: WikiCommons)

Na tentativa de resistir, a Rússia tem enviado reforços, inclusive com relatos de mais ataques contra civis em Kherson. “Até dois mil russos mobilizados chegaram à região de Kherson temporariamente capturada para reabastecer as perdas e fortalecer as unidades na linha de contato”, diz o texto emitido por Kiev.

Kirill Stremousov, nomeado por Moscou vice-governador interino da região, afirmou através do aplicativo de mensagens Telegram que “em um futuro muito próximo, a batalha por Kherson começará”. Já Vladimir Saldo, o governador igualmente designado pelos russos, afirmou que a Ucrânia está “acumulando forças para uma ofensiva em larga escala”.

Retirada programada

Entretanto, há sinais de que a batalha tende a ser curta. Se é que haverá confronto de fato entre os dois exércitos. Analistas consideram possível que a Rússia retire seus soldados de partes de Kherson antes do início da contraofensiva maciça do inimigo.

Um dos indícios partiu do general Sergey Surovikin, recém-nomeado comandante das forças armadas russas na Ucrânia. Ele afirmou que “mais ações e planos em relação à cidade de Kherson dependerão da situação militar-tática em desenvolvimento, o que não é fácil”. E acrescentou, sem maiores explicações: “Vamos agir conscientemente, em tempo hábil, sem descartar decisões difíceis”.

Com base nos recentes desdobramentos, especialistas do think tank Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), de Washington afirmam que Moscou pode estar se preparando para aceitar a derrota na região. “As declarações de Surovikin e Saldo são provavelmente tentativas de estabelecer condições de informação para uma retirada russa completa através do rio Dnipro, o que cederia a cidade de Kherson e outros territórios significativos em Kherson ao avanço das tropas ucranianas”, diz análise publicada pela entidade na quarta-feira (19).

Se a retirada se confirmar, será mais uma dura derrota de Moscou, que no começo do mês passado viu as forças ucranianas reconquistarem praticamente toda a região de Kharkiv, posição crucial para o objetivo russo de controlar totalmente Donbass. À época, o insucesso levou até aliados do presidente Vladimir Putin a criticar o desempenho do exército.

A retirada pode servir justamente para dar a Moscou argumentos capazes de refutar uma nova derrota, dizendo que a saída estava nos planos. “Os líderes militares russos evidentemente aprenderam com falhas informacionais e operacionais anteriores durante a recente contraofensiva ucraniana em Kharkiv e, portanto, provavelmente estão tentando mitigar as consequências informacionais e operacionais de não se defender contra outro avanço ucraniano bem-sucedido”, disse o ISW.

O Ministério da Defesa do Reino Unido fez análise idêntica na quinta-feira (20). Também citou os comentários de Surovikin, que “provavelmente indicam que as autoridades russas estão considerando seriamente uma grande retirada de suas forças da área a oeste do rio Dnipro”.

Tragédia à vista

Para Kiev, porém, não basta expulsar os russos de Kherson. É preciso fazê-lo rapidamente. O presidente Volodymyr Zelensky afirmou que Moscou posicionou cargas explosivas capazes de destruir a barragem da usina hidrelétrica de Kakhovka, o que, segundo ele, causaria um “desastre em larga escala”, segundo a rede BBC.

“Se terroristas russos explodirem esta barragem, mais de 80 assentamentos, incluindo Kherson, estarão na zona de inundações rápidas. Centenas de milhares de pessoas podem ser afetadas“, disse o presidente, citando ainda que faltaria água para manter o resfriamento dos reatores da usina nuclear de Zaporizhzhya, a maior da Europa.

Assim, o plano seria retomar a área o quanto antes e tentar desativar os explosivos. Zelensky, entretanto, não apresentou provas das alegações.

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