Jornalista que fez ousado protesto na TV russa é condenada a oito anos e meio de prisão

Marina Ovsyannikova ganhou fama global ao contestar a guerra da Ucrânia durante um telejornal ao vivo na TV estatal

A jornalista russa Marina Ovsyannikova foi condenada a oito anos e meio de prisão por um tribunal da Rússia nesta quarta-feira (4). Ela ganhou as manchetes mundiais ao realizar um protesto inusitado em março de 2022, quando exibiu um cartaz antiguerra durante a transmissão de um noticiário ao vivo na TV estatal do país. As informações são do jornal independente The Moscow Times.

Embora tenha ganhado fama com a ousada manifestação, não foi isso que gerou a sentença. A jornalista foi julgada por divulgar “informações falsas” sobre a guerra da Ucrânia em um protesto solitário que fez nas imediações do Kremlin em agosto do ano passado, o que já havia rendido uma pena de prisão domiciliar.

Na ocasião, ela exibiu um cartaz com fotos de crianças supostamente mortas na Ucrânia e frases como “Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas” e “Quantas crianças mais devem morrer antes que você pare?” No chão, colocou algumas bonecas pintadas de vermelho, simbolizando as crianças mortas no conflito.

Este protesto levou as autoridades a acusá-la com base na lei que prevê punições a quem “desacreditar o uso das forças armadas” e divulgar “informações falsas” sobre a guerra. Antes de receber a sentença de prisão, ela já havia sido multada três vezes pela Justiça em virtude de seus frequentes protestos, sendo a pena pecuniária mais alta de 50 mil rublos russos (R$ 2,6 mil).

Ovsyannikova no momento de seu protesto ao vivo durante o telejornal (Foto: Piervy Kanal/Captura de tela)

Na mira das autoridades russas e consciente do risco de ser condenada, Ovsyannikova deixou a Rússia em outubro do ano passado, quando teve seu nome incluído na lista de criminosos procurados pelo governo federal. Postagens recentes no Instagram indicam que ela vive atualmente na França.

Em setembro, a profissional de imprensa usou o Telegram para comentar a expectativa de ser condenada. “Claro, não admito minha culpa. E não volto em uma única palavra. Fiz uma escolha moral muito difícil, mas a única correta em minha vida, e já paguei um preço bastante alto por isso. A punição para mim foi a expulsão”, disse ela, de acordo com a emissora russa RTVI.

Já no Instagram, ela falou em defesa daqueles que, como ela, entraram na mira de Moscou por falarem contra a guerra e o regime de Vladimir Putin. “Existem agora cerca de 600 presos políticos na Rússia que se opuseram à guerra e à ditadura. E a resistência continua, apesar da apatia e do cansaço que reinam na sociedade russa.”

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, para driblar o veto, tornou-se comum ver manifestantes solitários erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro de 2022, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março do ano passado, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 22 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, eufemismo usado pelo governo para descrever a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Desde o início da guerra, a ONG OVD-Info reportou quase 20 mil detenções em protestos contra a guerra em todo o país. A enorme maioria dos casos, cerca de 15 mil, foi registrada no primeiro mês de guerra. Depois, houve um pico entre setembro e outubro, devido à mobilização parcial de reservistas imposta pelo governo. Entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023, foram registradas somente 22 detenções, um sinal de que a repressão estatal tem funcionado.

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