Jornalista que protestou ao vivo na TV russa entra na lista de criminosos procurados

Marina Ovsyannikova cumpria prisão domiciliar por realizar um protesto antiguerra, mas marido disse no sábado que ela fugiu

A jornalista Marina Ovsyannikova, que ganhou fama global ao realizar um protesto antiguerra ao vivo na TV estatal russa, foi colocada na lista de criminosos procurados por Moscou. As informações são do jornal independente The Moscow Times.

Ovsyannikova foi condenada por divulgar “informações falsas” sobre as forças armadas e cumpria prisão domiciliar. Entretanto, no final de semana, o marido dela disse que a jornalista fugiu com a filha, sem informar para onde, sequer dizendo se ela continua na Rússia ou se viajou para o exterior.

“Na noite passada, minha ex-mulher deixou o local que o tribunal designou para cumprir prisão domiciliar e, junto com minha filha de 11 anos, desapareceu em direção desconhecida”, disse no sábado (1º) Igor Ovsyannikov, segundo o jornal independente Novaya Gazeta.

Marina Ovsyannikova, jornalista russa e ativista antiguerra (Foto: reprodução/Instagram)
Protestos antiguerra

A manifestação que deu fama à jornalista ocorreu em 14 de março. Com a transmissão de um telejornal da emissora estatal Canal 1 (Piervy Kanal) no ar, ela surgiu repentinamente atrás da apresentadora com um cartaz escrito em russo e inglês: “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ovsyannikova ficou no ar durante alguns segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 2,23 mil, no câmbio atual). Mais tarde, ela anunciou que havia pedido demissão e chegou a deixar o país, tendo inclusive morado na Ucrânia e trabalhado como correspondente do jornal alemão Die Welt. Ela voltou à Rússia em julho e diz ter recusado uma oferta de asilo político na França.

A prisão domiciliar, porém, foi imposta após uma manifestação solitária que ela realizou posteriormente em frente ao Kremlin. Na ocasião, a jornalista exibiu um cartaz com fotos de crianças supostamente mortas na Ucrânia e as palavras “Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas”. No chão, colocou algumas bonecas pintadas de vermelho, simbolizando as crianças mortas.

Este protesto levou as autoridades a acusá-la com base na lei que prevê punições a quem “desacreditar o uso das forças armadas”. Além de correr o risco de ser presa por até dez, Ovsyannikova recebeu duas multas. Na mais recente, em julho, foi condenada a pagar 50 mil rublos (R$ 4,2 mil).

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Entre eles a tal lei que pune quem “desacreditar o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada por Putin no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como GeórgiaMongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação não é unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos. 

Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.

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