Jornalista russa que protestou contra a guerra ao vivo na TV é multada mais uma vez

Marina Ovsyannikova foi novamente autuada, dessa vez por defender Ilya Yashin, crítico do governo Putin

A jornalista Marina Ovsyannikova, famosa pelo protesto antiguerra ao vivo na emissora estatal Canal 1 (Piervy Kanal), da Rússia, foi mais uma vez multada pela nova legislação que pune cidadãos que “desacreditam o uso das forças armadas”, informou a agência de notícias estatal local RIA Novosti na quinta-feira (28).

Marina, de 44 anos, que foi presa no último dia 17 por conta da mesma acusação e solta após permanecer algumas horas sob custódia, agora foi condenada por um tribunal de Moscou a pagar 50 mil rublos (R$ 4,2 mil) como multa pela infração administrativa, segundo o jornal independente The Moscow Times

A nova infração teria sido cometida em uma entrevista na qual ela defendeu o proeminente oposicionista Ilya Yashin, crítico do governo Putin preso em junho por “espalhar notícias falsas” sobre a guerra.

Marina Ovsyannikova no momento em que era levada por dois policiais russos (Foto: Instagram)

“Eu falo ativamente contra a guerra, acho que é o crime mais horrível do século 21. Estou firmemente convencida de que esses criminosos estarão sentados no banco dos réus em um tribunal internacional”, disse ela em um trecho da entrevista. “O que eles estão fazendo na Ucrânia agora é loucura, é uma tentativa agressiva de manter o poder. Tenho certeza de que o bem vencerá o mal”.

Marina ainda declarou na ocasião que não pagou a multa anterior, referente ao protesto no ar, alegando que assim o fez “por princípio”. Ela se diz convencida de que as arrecadações com as penalidades estariam sendo usadas “para pagar a guerra”.

Após o episódio no Canal 1, a jornalista pediu demissão e chegou a deixar o país, tendo inclusive morado na Ucrânia, onde trabalhou como correspondente no jornal alemão Die Welt. Ela voltou à Rússia em julho.

Pouco depois de retornar, ela realizou outro protesto público e solitário, exibindo um cartaz com fotos de crianças supostamente mortas na Ucrânia e as palavras “Putin é um assassino. Seus soldados são fascistas”. No chão, colocou algumas bonecas pintadas de vermelho, simbolizando as crianças mortas. Ela não foi detida na ocasião.

Por que isso importa?

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas desde que o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.

Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.

Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Artista russa é presa por protestar contra a guerra nas etiquetas de preços
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como TwitterTelegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

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