Jornal alemão contrata russa que se demitiu após protestar ao vivo na TV estatal

Marina Ovsyannikova exibiu um cartaz antiguerra durante a exibição de um programa jornalístico da TV estatal russa

O jornal alemão Die Welt anunciou na segunda-feira (11) a contratação da jornalista russa Marina Ovsyannikova, que estava desempregada desde que exibiu um cartaz antiguerra durante um programa jornalístico do Canal 1 (Piervy Kanal), da TV estatal da Rússia. As informações são da rede Voice of America.

De acordo com o veículo de imprensa da Alemanha, que publicou um comunicado para anunciar a contratação, a profissional “agora é correspondente freelancer do Die Welt, reportando da Ucrânia e da Rússia, entre outros lugares”. Além de escrever regularmente, ela participará dos programa do canal de TV do jornal.

Ulf Poschardt, editor-chefe do jornal alemão, elogiou a “coragem em um momento decisivo” de sua nova colaboradora e disse que ela “defendeu as virtudes jornalísticas mais importantes, apesar da ameaça de repressão estatal”.

Ovsyannikova, por sua vez, afirmou disse que o Die Welt “representa o que está sendo defendido com tanta veemência pelas pessoas corajosas na Ucrânia agora: liberdade”. E acrescentou: “Vejo como minha tarefa como jornalista defender essa liberdade”.

Ovsyannikova no momento em que levou seu protesto ao ar ao vivo (Foto: Piervy Kanal/Captura de tela)

Multa e asilo político

No dia 14 de março, Ovsyannikova se postou repentinamente atrás da apresentadora do telejornal da TV estatal segurando um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante alguns segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a russa a pagar uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,66 mil, no câmbio atual) sob a justificativa de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Mais tarde, ela anunciou que havia pedido demissão.

Indiciada por uma nova lei que pune a disseminação de “notícias falsas” sobre a ação militar coordenada pelo Kremlin em território ucraniano, a jornalista disse anteriormente que não pretende sair do país e que recusou uma oferta de asilo da França.

Por que isso importa?

Nos últimos anos, os protestos coletivos praticamente desapareceram das ruas da Rússia. Isso porque o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo. Durante a guerra, nem mesmo a violenta repressão das forças estatais tem impedido cenas assim.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

O protesto é uma maneira de manter acesa a chama da insatisfação popular de forma anônima, evitando que os manifestantes virem parte da estatística de mais de 15 mil cidadãos presos até agora por oposição ao conflito com os vizinhos, segundo a OVD-Info, organização de direitos humanos que monitora as prisões na Rússia.

De acordo com a Anistia Internacional, pelo menos 60 processos criminais foram iniciados em função de protestos pacíficos contra a guerra ou de críticas públicas às autoridades. “O Kremlin procura esmagar aqueles que se opõem ao conflito, ou pelo menos criar a impressão de que tal resistência não existe”, diz Marie Struthers, diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da ONG.

Dentro da severa legislação para controle das manifestações na Rússia, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil), com possível pena de prisão por até 30 dias. Já uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”. A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

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