Médico que contestou ditador de Belarus sobre a Covid-19 é preso na Rússia

Vladimir Martov alertou para o perigo da doença e derrubou o discurso negacionista do presidente Alexander Lukashenko

As autoridades da Rússia detiveram nesta quarta-feira (15) o médico belarusso Vladimir Martov, que era procurado em seu país por ter contestado o ditador local, Alexander Lukashenko, que em 2020 adotou um discurso negacionista a respeito do surto de Covid-19, que mais tarde de tornaria uma pandemia. As informações são do site Fontaka.

Conforme a doença se espalhava, colocando todo o mundo em alerta, Lukashenko contestou a realidade: “aqui não há vírus” e “ninguém vai morrer de coronavírus”, disse o presidente na ocasião. Mais tarde, com o vírus circulando em Belarus, recomendou “vodka e sauna” àqueles que eventualmente se infectassem.

Martov, então chefe do departamento de anestesiologia e reanimação do Hospital de Emergência de Vitebsk, em Belarus, passou a contestar o presidente. Acusando o governo belarusso de esconder as estatísticas aterrorizantes de mortalidade, disse o centro médico onde trabalhava estava “pegando fogo” devido aos casos de Covid-19. E que não eram apenas idosos que morriam, mas também jovens.

O presidente Alexander Lukashenko em visita a Vladimir Putin, Moscou, setembro de 2020 (Foto: Kremlin)

A partir dali, o médico passou a ser perseguido pelo governo, que como medida inicial pressionou o hospital para não renovar o contrato de trabalho dele. Afastado da medicina, abriu um canal no YouTube e passou a produzir um programa que chamou a atenção do governo. O conteúdo foi rotulado como “extremista”, e o profissional decidiu fugir do país.

Em 2022, Martov usou a conta dele no Facebook para denunciar a perseguição estatal a médicos em Belarus. “Não compreendo o objetivo da repressão contínua contra os médicos em Belarus. A cada semana chegam informações sobre mais um interrogatório, uma prisão ou uma multa contra meus colegas.”

Um mandado de prisão à revelia foi expedido contra ele em Belarus, e somente agora a perseguição deu resultado. Martov foi detido pela polícia russa e levado a uma delegacia na região de Leningrado, sob a possibilidade de ser enviado ao país natal para ser preso.

Por que isso importa?

Belarus testemunha uma crise de direitos humanos sem precedentes, com fortes indícios de desaparecimentos, tortura e maus-tratos como forma de intimidação e assédio contra seus cidadãos. Dezenas de milhares de opositores ao regime de Lukashenko, no poder desde 1994, foram presos ou forçados ao exílio desde as controversas eleições no ano passado.

O presidente, chamado de “último ditador da Europa”, parece não se incomodar com a imagem autoritária, mesmo em meio a protestos populares e desconfiança crescente após a reeleição de 2020, marcada por fortes indícios de fraude. A porta-voz do presidente Natalya Eismont chegou a afirmar em 2019, na televisão estatal, que a “ditadura é a marca” do governo de Belarus.

Desde que os protestos populares tomaram as ruas do país após o controverso pleito, as autoridades belarussas têm sufocado ONGs e a mídia independente, parte de uma repressão brutal contra cidadãos que contestam os resultados oficiais da votação. A organização de direitos humanos Viasna diz que há atualmente quase de 1,5 mil prisioneiros políticos no país.

O desgaste com o atual governo, que já se prolonga há anos, acentuou-se em 2020 devido à forma como ele lidou com a pandemia, que chegou a chamar de “psicose”.

A violenta repressão imposta por Lukashenko levou muitos oposicionistas a deixarem o país. Aqueles que não fugiram são perseguidos pelas autoridades e invariavelmente presos. É o caso de Sergei Tikhanovsky, que cumpre uma pena de quase 20 anos de prisão sob acusações consideradas politicamente motivadas. Ele é marido de Sviatlana Tsikhanouskaia, candidata derrotada na eleição presidencial e hoje exilada.

Já o distanciamento entre o país e o Ocidente aumentou com a guerra na Ucrânia, vez que Belarus é aliada da Rússia e permitiu que tropas de Moscou usassem o território belarusso para realizar a invasão.

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