Morre em combate ex-soldado do exército brasileiro que lutava na guerra da Ucrânia

Família confirmou a morte nas redes sociais. Ainda não há informações oficiais sobre as circunstâncias do falecimento

Por André Amaral

O soldado catarinense Tailon Ruppenthal, de 41 anos, morador de Três Coroas, no Rio Grande do Sul, morreu em combate na guerra da Ucrânia. A informação foi confirmada pela família nas redes sociais, na tarde desta segunda-feira (6). Ainda não há detalhes oficiais sobre as circunstâncias da morte, que teria sido causada por um drone russo.

A mãe de Tailon, Marileuza Borges Bertolucci, divulgou uma mensagem de despedida ao anunciar o falecimento:

“É com profunda dor e imensa tristeza que comunicamos o falecimento do amado filho Tailon Ruppenthal que partiu deixando saudade eterna em nossos corações. Agradecemos por todas as orações, carinho e respeito neste momento de imensa dor. Que Deus o receba em sua luz e nos dê força para seguir”.

Tailon integrava uma unidade de forças especiais no país invadido (Fotos: Arquivo pessoal)

Tailon deixou o Brasil para integrar as forças de defesa ucranianas, em meio ao conflito iniciado com a invasão russa em fevereiro de 2022.

“Hoje o céu ganhou mais uma estrela, e nosso coração chora a partida de nosso querido filho Tailon Ruppenthal. Sua luz e seu amor ficarão para sempre em nós”, escreveu Marileuza em outro trecho da homenagem no Facebook.

Até o momento, não houve posicionamento oficial do governo ucraniano ou das autoridades brasileiras sobre o caso.

Em reportagem exclusiva da Rádio Taquara publicada em agosto de 2025, Tailon contou que sua decisão de lutar estava ligada ao desejo de defender a liberdade e ajudar um povo em guerra. Conheça sua história.

Por que Tailon escolheu lutar na Ucrânia

De uma microrregião gaúcha chamada Vale do Paranhana às trincheiras da Ucrânia, a trajetória de Tailon Ruppenthal se desenha entre dois mapas: um que aponta para a vida pacata de uma pequena cidade ao sopé da serra gaúcha; outro que se perde em dois dos mais brutais conflitos do século 21.

O ex-soldado do Exército brasileiro, com passagem por um pedaço turbulento da América Central no começo dos anos 2000, atravessou 12 mil km rumo ao território ucraniano há mais de um mês. Enquanto a família e os amigos seguem suas rotinas quase bucólicas em Três Coroas, ele circula entre cidades arrasadas pela guerra, como Dnipro Kharkiv. Essa distância, medida não apenas em quilômetros mas em experiências extremas, é a linha de tensão que atravessa sua vida.

De tensão, aliás, ele entende. Em 2004, participou da missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) no Haiti, organizada para restaurar a ordem e a estabilidade no país caribenho após um período de violência e turbulência política, incluindo a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide. Experiência que, segundo ele, serviu de aprendizado para compreender o caos e a rotina em cenários de instabilidade. E rendeu um livro: ‘Um Soldado Brasileiro no Haiti‘.

Hoje, está no meio de um conflito no olho do furacão de uma ex-república soviética, atuando em uma unidade de inteligência em região próxima à fronteira com Rússia. De lá, ele falou com exclusividade à Rádio Taquara, descrevendo a vida em meio à guerra.

Entre o ideal e a sobrevivência

“Escolhi ser soldado na guerra da Ucrânia por um motivo fundamental: a crença na liberdade e na justiça”, como Tailon já havia relatado aqui, em outra reportagem da Rádio Taquara que contou a história do taquarense Eric da Silva Oliveira, que também se alistou na Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia

“Não sou ucraniano de nascimento, mas a invasão russa me tocou profundamente. Vi um país soberano ser atacado sem provocação e testemunhei a violência infligida a pessoas inocentes”.

O percurso de Tailon mistura convicções, contradições e escolhas duras. Do Vale do Paranhana à linha de frente da guerra mais midiática do século, ele vive uma experiência que transforma a própria noção de sobrevivência.

O brasileiro a bordo de um veículo tático das forças ucranianas (Foto: Arquivo pessoal)

Entre drones carregados de explosivos, minas enterradas sob lama, grupos extremistas aliados e uma filha adolescente que o espera a milhares de quilômetros, Tailon se equilibra entre o homem que deixou para trás há pouco mais de 30 dias, um produtor de audiovisual, e o homem que é agora: um combatente em um campo de batalha sem data para acabar.

“Minha especialidade aqui é pilotar e operar drones, oferecendo apoio direto às tropas. Utilizamos equipamentos de reconhecimento, com visão térmica e visão noturna, dentro da linha de tecnologia disponível aqui”, explica.

Tailon integra uma unidade de inteligência formada majoritariamente por brasileiros. Desde que chegou, passou por Dnipro, importante centro econômico e estratégico no mapa do conflito, e atualmente está em Kharkiv, segunda maior cidade da Ucrânia, reconhecida por sua indústria e centros de pesquisa.

Segundo ele, os homens que o acompanham não são aventureiros: todos têm experiência militar ou histórico em segurança internacional.

“A grande maioria aqui é formada por ex-militares do Exército Brasileiro ou por pessoas que já tinham algum tipo de treinamento militar. Também há seguranças, agentes e outros profissionais com vasta experiência em missões ao redor do mundo”, relata o três-coroense.

Tailon detalhou a natureza das missões do grupo de forças especiais brasileiro ao qual pertence, ressaltando a confidencialidade e os riscos envolvidos, já que suas missões envolvem ataques à infraestrutura das forças russas.

“Somos um grupo de forças especiais, uma unidade de 20 homens, todos brasileiros, comandados por alguns gaúchos que também estão aqui. Por se tratar de uma unidade de forças especiais, muitas informações não podem ser compartilhadas. Algumas missões são secretas, envolvendo sabotagem, minas, colocação de explosivos e atividades similares”.

(Foto: Arquivo pessoal)

A unidade que ele integra recebeu uma preparação de alto nível antes de cair no front.

“Nosso grupo é, de certa forma, diferenciado justamente pelo nível de preparação: recebemos um treinamento que poucos tiveram até agora na Ucrânia, e isso foi crucial para que muitos permanecessem vivos. Já outros, sem preparo adequado, acabam enviados direto para a linha de frente, e é por isso que tantos vêm morrendo, inclusive brasileiros”.

Essa preparação é vital num país em que, segundo Tailon, até a própria população civil pode representar risco, já que sua unidade transita por regiões separatistas e favoráveis ao presidente russo Vladimir Putin.

“Somos uma unidade e nos deslocamos sempre em grupos pequenos. Isso porque, dentro da própria população, há pessoas pró-Rússia, que apoiam Moscou. Temos ordens de sermos cautelosos: podem existir artefatos explosivos ou até veneno. Por isso, precisamos proteger nossa posição o tempo todo. Quando saímos para a cidade, evitamos usar uniformes militares e circulamos em veículos civis, para não chamar atenção”.

Além da ficção

Além das análises sobre a política europeia, Tailon também falou sobre o cotidiano de combate e o impacto de estar em um front de guerra. Para ele, o apoio externo à Ucrânia é vital, ainda que a adesão imediata do país à União Europeia (UE) não esteja no horizonte.

“Eu acredito que a União Europeia deve ampliar o apoio à Ucrânia. Não vejo uma entrada imediata como membro, mas há países que mantêm a máquina funcionando aqui graças à ajuda que oferecem. Recentemente, a Polônia acabou sendo atingida por um drone russo e prometeu retaliar. Ao mesmo tempo, o lado russo também demonstra enfraquecimento. Os ucranianos têm realizado ataques pontuais contra refinarias e linhas férreas, o que desestabiliza ainda mais a infraestrutura deles, entende?”, relata o soldado.

Drone russo abatido na Ucrânia (Foto: WikiCommons)

Na comparação com outras experiências, Tailon afirma que nada se equipara ao que testemunha na Ucrânia. O treinamento, o tipo de missão e a intensidade do campo de batalha são de outra ordem.

“Nada se compara ao que a gente vê no front. A missão no Haiti foi importante, me preparou para muitas coisas, mas o que acontece dentro de um campo de batalha como o da Ucrânia é completamente diferente. Aqui o treinamento é outro, voltado para forças especiais, algo que eu nunca tinha tido no Exército. O que a gente presencia no front é o tipo de coisa que, antes, só parecia existir em filmes, e quando você se depara com essa realidade, o impacto é enorme”.

Entre explosões, treinos intensos e a rotina sui generis de um soldado, Tailon descreve como mantém o foco para exercer suas funções na linha de frente.

“Mesmo assim, seguimos firmes, cuidando do físico e do mental, focados no que viemos buscar. Não é só questão financeira, como já te disse, mas também a vontade de apoiar, de colocar em prática o conhecimento e o treinamento. Quem já viveu isso como militar sabe que é algo que fica dentro da gente. No meu caso, o trabalho com drones é principalmente voltado a salvar vidas: denunciar posições inimigas, fazer reconhecimento, muitas vezes à frente da tropa que está prestes a iniciar uma incursão”.

Mesmo que a tecnologia sirva para reduzir baixas, a guerra, como ele mesmo admite, cobra o preço mais alto.

“Mas, claro, como o nome diz, se estamos em guerra, é preciso fazer uso da força. Seguimos ordens e também precisamos nos defender, então inevitavelmente acabamos tirando vidas”, revela.

Tailon detalha os perigos do terreno em que sua unidade opera. Andar pelo país é uma tensão constante de, literalmente, ver tudo ir pelos ares. “A maioria dos locais em que atuamos hoje já havia sido ocupada pelos russos, e muitos ainda estão repletos de minas, armadilhas e dispositivos de escuta. Por isso, precisamos estar sempre atentos”.

O deslocamento a pé, comum nas operações, exige atenção redobrada. “Grande parte das nossas incursões é feita a pé: caminhamos pela mata, pântanos e terrenos variados, sempre com cuidado extremo por causa das minas. Aqui, as minas são uma das principais causas de mutilação. Existem minas antitanque, minas pessoais e algumas que atuam em um raio de 200 metros, liberando até 2,4 mil esferas de metal. Muitas são antigas, da época da União Soviética, mas ainda funcionam perfeitamente”.

O lado humano no front

Em meio ao barulho dos bombardeios, Tailon fala sobre laços humanos. O convívio com outros combatentes é o que sustenta sua moral e das tropas.

“Até certo momento eu estou me mantendo bem, estou consciente da minha escolha também e a gente faz boas amizades aqui, que é isso que eleva a nossa moral e faz com que a gente consiga, muitas vezes, estar resistindo. Até porque a gente não está sozinho, né? De certa forma, quando tu tem bons companheiros, pessoas que tu já tira como irmão, isso influencia muito em tudo”, conta.

Sua vida no Brasil segue presente no pensamento. Ele é pai de uma adolescente de 14 anos que vive em Três Coroas e estuda em Taquara, no IACS. A distância é uma das marcas mais pesadas dessa escolha.

Tailon em raro momento de lazer em uma cidade ucraniana (Foto: Arquivo pessoal)

Se a guerra oferece pouco espaço para esperanças, Tailon ainda encontra pilares de apoio. Entre eles a fé.

“O apoio da minha família é muito forte, principalmente da minha filha. Ela vibra com tudo que está acontecendo e conhece os meus objetivos, que também incluem ela de certa forma. Isso nos dá força. E há também a fé. A fé de que tudo vai dar certo e a minha fé em Deus”.

Em meio ao relato carregado de espiritualidade, Tailon interrompeu o áudio para fazer uma observação.

“Não sei se você consegue ouvir os disparos ao fundo, da artilharia antiaérea abatendo drones russos”.

Três Coroas, Kharkiv

Mesmo num cenário hipotético de cessar-fogo, o retorno de Tailon ao Brasil é algo fora dos planos. Ele falou sobre o que pode vir a ser seu futuro de médio a longo prazo no país.

“O contrato que assinei tem duração de três anos, podendo ser rescindido antes, se necessário. Acredito que a guerra deve se estender por pelo menos mais dois anos. Há indícios de que eles [forças ucranianas] pretendem estruturar uma unidade mais forte e criar um exército sólido aqui. Grande parte das informações que recebemos aponta nesse sentido, o que abre a possibilidade de exercer uma carreira militar na Ucrânia”, conta.

Se decidir permanecer, o novo lar terá algumas familiaridades. O catarinense natural de Araranguá, que um dia escolheu Três Coroas como lar, se impressionou com a beleza do país do Leste Europeu, onde, guardadas as devidas proporções, sente ares que lembram o Rio Grande do Sul.

“É um país bonito e, de certa forma, acolhedor. A população me lembra muito a miscigenação do Rio Grande do Sul. Sempre que mostro como é a vida lá, eles ficam impressionados”.

Remoção de um projétil do solo em um campo na Ucrânia, em 2022 (Foto: WikiCommons)

Em meio ao barulho de artilharia antiaérea, o ex-produtor de audiovisual planeja registrar a guerra com suas próprias lentes no futuro.

“Gostaria de ter trazido meu equipamento, mas não trouxe por segurança. Mais adiante pretendo captar imagens aqui e transformar em documentário”, diz.

Zelensky sob desgaste

Ao falar sobre suas impressões sobre a popularidade de Volodymyr Zelensky em meio à população, Tailon adota tom pragmático.

“Chegou a ter uma aprovação de mais de 90% dentro do país. Mas, com a prolongação da guerra e as dificuldades, a imagem começou a se desfigurar. O tema da corrupção, como nas compras de drones, tem pesado bastante”, opina Tailon, fazendo menção ao caso revelado no início deste mês, quando órgãos anticorrupção da Ucrânia revelaram um esquema de superfaturamento na compra de drones militares e sistemas de interferência de sinal.

Atualmente, cerca de 10,6 milhões de pessoas ucranianas estão deslocadas de forma forçada, incluindo 3,7 milhões de deslocados internos dentro do próprio país e 6,8 milhões como refugiados no exterior, em busca de proteção internacional, segundo a ACNUR, sigla para Agência da ONU para Refugiados.

Ainda assim, ele acredita que a Ucrânia deve se integrar à União Europeia, mas apenas depois de um acordo de paz.

Zelensky afirmou na semana passada que solicitou a Donald Trump que pressione a Hungria a apoiar a entrada da Ucrânia no bloco europeu. O governo de Budapeste, liderado por Viktor Orbán, mantém relações estreitas com os Estados Unidos, mas tem se mostrado contrário à adesão ucraniana.

Crimes de guerra

Tailon não esconde incômodo com a presença de facções que atuam dentro das forças ucranianas. Questionado, ele falou sobre o que pensa a respeito do Batalhão Azov, uma milícia ultranacionalista ucraniana de inspiração neonazista que Kiev incorporou à Guarda Nacional.

Eles não poupam crianças, não poupam mulheres, não poupam ninguém. Cometem crimes de guerra”.

Batalhão Azov em Mariupol (Foto: Flickr)

A guerra, lembra, é atravessada por contradições éticas e morais que atingem até quem diz lutar pela liberdade.

“A presença de ideologias tão odiosas e perigosas em qualquer situação, especialmente em uma guerra, é profundamente perturbadora”.

O Batalhão Azov mantém vínculos antigos com as forças de segurança ucranianas. A incorporação do grupo à Guarda Nacional buscou oficializar a subordinação dos combatentes paramilitares ao comando do Exército na luta contra os separatistas apoiados pela Rússia em Donbass.

A passagem pelo Haiti

A guerra entre Kiev e Moscou não é o primeiro contato de Tailon com realidades instáveis. Ele falou sobre sua missão no Haiti, experiência que deixou marcas profundas.

Ele fez um paralelo entre a complexa história do país caribenho com a da Ucrânia, destacando a luta pela independência, os embargos geopolíticos e as intervenções externas, além das consequências duradouras para a população.

“O Haiti tem uma história muito forte e bonita, marcada pela luta pela independência, assim como a Ucrânia. Mas a comparação entre os dois países é complicada. O Haiti foi a primeira república negra das Américas, conquistando sua independência em 1804, após longos períodos de escravidão sob domínio francês. O país sofreu inúmeros embargos, pois representava um risco geopolítico na região do Caribe”.

Tailon à época em que serviu no Haiti

A experiência no Haiti ofereceu a primeira imersão em realidades instáveis, moldando sua visão sobre conflitos e resistência. E, sobretudo, de mundo.

“Até hoje, a população fala francês e crioulo, uma mistura de inglês, francês e línguas africanas. Apesar de se libertarem dos franceses, muitos líderes que assumiram o poder acabaram perpetuando práticas autoritárias, como durante os governos de Papa Doc [François Duvalier, presidente do Haiti de 1957 a 1971] Baby Doc [Jean-Claude Duvalier, presidente do Haiti de 1971 a 1986], e a intervenção constante dos EUA também marcou a história. O país, que já foi uma das maiores potências produtoras de café e açúcar, mergulhou na miséria. Ao atravessar a fronteira para a República Dominicana, a diferença é tão grande que parece outro planeta: língua espanhola, outra cultura, outro contexto histórico”.

O andamento do conflito

A Rússia iniciou, em fevereiro de 2022, uma invasão em larga escala da Ucrânia e hoje controla cerca de um quinto do território do país vizinho. Ainda naquele ano, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou a anexação de quatro regiões ucranianas: Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia.

O avanço russo pelo leste do país é lento, mas Moscou não demonstra intenção de abrir mão de seus principais objetivos militares. Enquanto isso, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pressiona por um acordo de paz.

A Ucrânia intensificou ataques dentro do território russo, afirmando que as operações têm como alvo a infraestrutura essencial do Exército russo. Em resposta, o governo de Putin ampliou os ataques aéreos, incluindo ofensivas com drones. Ambos os lados negam atingir civis, mas milhares de pessoas já morreram, a maioria ucraniana.

Estima-se também que milhares de soldados tenham perdido a vida na linha de frente, embora nenhum dos lados divulgue números oficiais de baixas militares. Segundo dados dos Estados Unidos, 1,2 milhão de pessoas ficaram feridas ou mortas desde o início do conflito.

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