Não foi por falta de aviso: analistas e aliados de Putin alertaram que Prigozhin era uma ameaça

"Até o final do verão, a situação política interna do país pode mudar além do reconhecimento", previu ainda em maio um influente nacionalista russo

O mundo prendeu o fôlego entre sexta-feira (23) e sábado (24) conforme os mercenários do Wagner Group avançavam Rússia adentro rumo a Moscou, em um motim que configurou a maior ameaça ao poder do presidente Vladimir Putin desde que ele assumiu o poder há 23 anos. A tentativa frustrada de golpe de Estado, entretanto, não pode ser classificada como surpreendente. Analistas e aliados do líder russo vinham alertando para a ameaça representada por Evgney Prigozhin, chefe dos mercenários, que nos últimos meses deixou de ser um importante aliado do Kremlin para se tornar seu principal inimigo.

Uma das previsões mais certeiras foi feita por Igor “Strelkov” Girkin, nacionalista russo e ex-ministro da Defesa da República Popular de Donetsk, que alertou para o perigo de uma revolução no final de maio. Na ocasião, ele disse que Prigozhin havia se aproximado de figuras não identificadas dentro do governo russo para tentar formar uma frente ampla capaz de derrubar Putin.

Strelkov usou o Telegram, onde tem mais de 800 mil seguidores, para fazer a precisa projeção: “Até o final do verão, a situação política interna do país pode mudar além do reconhecimento”, disse ele, afirmando que a “smuta”, expressão russa usada para definir a turbulência pré-revolucionária, já havia começado.

O presidente russo Vladimir Putin, de preto, e o empresário Evgeny Prigozhin (à dir.) (Foto: WikiCommons)

“Prigozhin declarou guerra a parte da elite militar e do Estado”, disse Strelkov. “Naturalmente, ele não está sozinho. Se ele estivesse sozinho, teria sido eliminado”, afirmou o analista. 

Ele alertou inclusive que o Wagner Group havia retirado seus homens de Bakhmut, cidade no leste da Ucrânia onde haviam combatido ao lado das forças armadas russas. Liberados do esforço de guerra, os mercenários poderiam ser usados por Prigozhin no golpe, de acordo com Strelkov.

Outro que via indícios de um motim em formação é Abbas Gallyamov, antigo redator de discursos de Putin e hoje um crítico do regime. Ele disse também no mês passado que o foco da rebelião não seria Moscou ou outra grande cidade russa, e sim a região fronteiriça perto da Ucrânia, onde àquela altura grupos de oposição ao presidente já começavam a assumir o poder.

A avaliação foi igualmente precisa. O grande feito do Wagner em seu curto motim, que durou cerca de um dia e meio, foi conquistar a cidade de Rostov, sede de uma base das forças armadas russas que se tornou o epicentro do esforço de guerra desde a invasão à Ucrânia. Trata-se justamente de uma região perto da fronteira com o país invadido, no sul ucraniano, onde os mercenários marcavam presença desde que foram inseridos no conflito.

A jornalista Candace Rondeaux foi outra que alertou para ameaça crescente que Prigozhin representava ao poder de Putin, por mais que negasse ter ambições políticas. Em artigo publicado no início de março pela rede CNN, traduzido e reproduzido pela reportagem de A Referência, ela disse que o empresário vinha “sendo alternadamente falado como um rival em potencial do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ou um alvo de assassinato.”

No artigo, ela destacou inclusive o fato de que Prigozhin tornou-se praticamente intocável. “O oligarca certamente percebe que, quanto mais tempo ele passa sob os holofotes e quanto mais vitórias no campo de batalha para o Wagner Group, mais difícil para Putin chutá-lo para o meio-fio”, disse a jornalista.

A previsão se confirmou ao fim do motim. Ao menos em um primeiro momento, Prigozhin sobreviveu. Foi autorizado a se exilar em Belarus, e o governo prometeu derrubar a ação criminal aberta contra ele por realizar um motim armado.

O consultor político Jason Jay Smart, que viveu e trabalhou em diversas ex-repúblicas soviéticas, disse ainda em fevereiro que Prigozhin estava de olho no governo da Rússia. “Às vezes os líderes caem não porque fizeram algo errado aos olhos de seus cidadãos, mas simplesmente porque um jovem leão deseja usurpar o velho rei leão”, afirmou ele se referindo ao empresário, em artigo publicado no jornal Kyiv Post.

No texto, o analista destacou o enfraquecimento da aliança entre o chefe do Wagner Group e o presidente. “Prigozhin, um ex-criminoso de rua, deve sua fortuna a Putin, mas alguns especulam que ele pode reconhecer a mudança dos ventos na Rússia como sua própria janela de oportunidade para subir a escada até o primeiro lugar.”

Já a cientista política russa Tatiana Stanovaya fez uma análise, também em fevereiro, que de certa forma se confirmou no fim do motim. “Prigozhin não está preparado para desafiar Putin”, disse ela em artigo no jornal The Moscow Times. A analista avaliou que, enquanto o presidente se mantivesse “relativamente forte e capaz de manter o equilíbrio entre vários grupos de influência”, o empresário não seria “perigoso”.

De fato, Putin mostrou-se mais poderoso ao conter o motim, mesmo que para isso tenha contado com a interferência do aliado Alexander Lukashenko, presidente de Belarus. Encerrada a revolta, Prigozhin foi forçado a se exilar, e o Wagner Group praticamente morreu no formato atual. A organização será agora incorporada pelo Kremlin, com a promessa de que os mercenários que não participaram da tentativa de golpe receberão um contrato com as forças armadas regulares.

Tags: