Ex-apoiadores de Putin dizem que um processo para derrubar o presidente já está em andamento

Evgeny Prigozhin, chefe do Wagner Group, seria o líder da rebelião, que se forma perto da fronteira com a Ucrânia e poderia influenciar Moscou

Nos últimos meses, vem crescendo o distanciamento entre o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e um de seus mais importantes aliados, Evgeny Prigozhin. Paralelamente, começaram a surgir especulações de que o empresário, atual chefe dos mercenários do Wagner Group, tem ambições políticas e se tornará em algum momento um postulante ao Kremlin. Tal teoria recentemente ganhou adeptos entre ex-apoiadores do líder russo, que enxergam sinais de uma conspiração em curso para tomada de poder. As informações são do jornal Daily Mail.

O analista de guerra Igor “Strelkov” Girkin, ex-ministro da Defesa da República Popular de Donetsk e hoje distante do presidente, é um dos influenciadores que alertam para o perigo iminente de uma revolução. Segundo ele, Prigozhin se aproximou de figuras não identificadas dentro do governo russo para tentar formar uma frente ampla capaz de derrubar Putin.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, março de 2022 (Foto: WikiCommons)

Strelkov usou sua conta no Telegram, onde tem mais de 800 mil seguidores, para lançar o alerta. “Até o final do verão, a situação política interna do país pode mudar além do reconhecimento”, disse ele, afirmando que a “smuta”, expressão russa usada para definir a turbulência pré-revolucionária, já começou.

Ex-coronel do FSB (Serviço de segurança Federal), Strelkov dialoga pelo telegram com muitos militares de médio escalão, que estão entre seus seguidores. Importante figura na tomada da Crtimeira por Moscou em 2014, ele fala com propriedade sobre os bastidores políticos e sobretudo militares da Rússia.

Para ele, um indício de que o presidente pode ter problemas em breve é o fato de o Wagner Group ter retirado seus homens de Bakhmut, cidade ucraniana recentemente conquistada e entregue às forças armadas regulares. Liberados de combater na Ucrânia, os mercenários poderiam ser usados por Prigozhin no golpe.

“Prigozhin declarou guerra a parte da elite militar e do Estado”, disse Strelkov. “Naturalmente, ele não está sozinho. Se ele estivesse sozinho, teria sido eliminado”, acrescentou o analista. 

Quem também enxerga indícios de um motim é Abbas Gallyamov, antigo redator de discursos de Putin e hoje um crítico do regime. Ele diz que o foco da rebelião não é Moscou ou outra grande cidade russa, e sim a região fronteiriça perto da Ucrânia, onde grupos de oposição ao presidente estariam assumindo o poder.

Os recentes ataques de forças ucranianas à cidade russa de Belgorod, que encontraram resposta frágil das tropas russas, seriam um sinal de que a região já está sob controle da oposição. O Corpo Voluntário Russo (RDK, na sigla em russo) e as Legião da Liberdade da Rússia (LSR, na sigla em russo), grupos paramilitares nacionalistas que se opõem a Putin, teriam se aliado a Kiev durante os bombardeios.

“O clima em Belgorod, Voronezh, Bryansk e outras regiões localizadas ao longo da fronteira é provavelmente muito mais oposicionista do que no país como um todo”, disse Gallyamov. “Acho que os residentes da região de Belgorod agora têm a sensação de que Moscou os incitou a uma aventura e os deixou à mercê do destino”.

Segundo Gallyamov, é extremamente improvável que a revolução iniciada nos limites do território russo cheguem fisicamente a Moscou. Advertiu, porém, que tal situação criará “uma nova Rússia livre de Putin” e “levará a uma crise política em larga escala na Rússia”. E complementou: “A situação pode evoluir de tal forma que nem será necessário tomar o Kremlin de assalto”.

Prigozhin x Putin

O distanciamento entre Putin e Prigozhin é incontestável, com empresário constantemente externando sua insatisfação com o governo, a ponto de ter proferido ofensas aparentemente endereçadas ao líder russo.

Durante vídeo em seu movimentado canal no Telegram, por ocasião do feriado russo de 9 de maio o chefe do Wagner Group jogou no ar uma pergunta cuja interpretação não deu muita margem a dúvida: “E se o avô for um verdadeiro idiota?”, declara ele nas imagens, referindo-se provavelmente a Putin.

A rebeldia de Prigozhin tem levado especialistas e especularem diferentes destinos para ele. Em artigo publicado no início de março pela rede CNN, a jornalista Candace Rondeaux declarou que o empresário “está sendo alternadamente falado como um rival em potencial do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ou um alvo de assassinato”.

Quanto à organização paramilitar que Prigozhin comanda, Vlad Mykhnenko, especialista na transformação pós-comunista da Europa Oriental e da ex-União Soviética, pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, sugere que ela pode acabar sendo incorporada pelo Kremlin.

O analista cita como indício o fato de que os generais russos Roman Gavrilov, ex-vice-comandante da Guarda Nacional, e Mikhail Mizintsev, ex-vice-ministro da Defesa, foram contratados pelo Wagner após terem sido supostamente demitidos pelo governo.

“Prigozhin deve ter pensado que essas ações fortaleceriam o poder do Wagner dentro da máquina burocrática russa. No entanto, poderia ser tanto um prelúdio ou início da ‘tomada hostil’ do Wagner pelo Kremlin”, disse Mykhnenko. “Mizintsev pode ter sido implantado de propósito para assumir o controle”, acrescentou.

Quanto ao empresário, o analista concorda com a segunda alternativa levantada pela jornalista Candace Rondeaux. “Apostaria em Prigozhin sendo encontrado morto em um ‘suicídio’ encenado pelo Estado russo, com uma pistola na mão e uma nota de suicídio ridícula”, disse ele.

O especialista até sugere um roteiro alternativo, digno de filme de ação, para conclusão da história. “Moscou também poderia fornecer à Ucrânia a geolocalização precisa de Prigozhin dentro de um alcance de foguete Himars de 70 quilômetros para acabar com ele e fornecer um ‘heroico’ impulso de recrutamento de propaganda para o ‘novo’ emasculado Wagner.”

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