Quase 10% dos russos mortos na guerra tinham até 24 anos, o mais jovem com apenas 18

Daniil Yermolenko, nascido em 2006, se juntou ao exército como voluntário para acompanhar os passos do irmão e morreu em 4 de abril

A Rússia não divulga números de baixas em suas Forças Armadas na guerra da Ucrânia, o que torna as estimativas de entidades independentes e governos estrangeiros as melhores fontes de informação sobre a questão. O balanço mais seguro vem sendo feito pela rede BBC e o site Mediazona, com mais de 54 mil mortes confirmadas até agora. Quase 10% dessas vítimas tinham até 24 anos, a mais jovem delas com apenas 18, que se voluntariou para lutar e não chegou a completar seis meses no campo de batalhas.

Os investigadores dos dois veículos de mídia levam em conta somente militares que foram identificados pelo nome e cujas mortes foram confirmadas oficialmente. Para tanto, usam informações publicamente disponíveis, como documentos oficiais, manifestações de familiares em redes sociais e publicações da imprensa regional.

Com base no método criterioso de apuração, a BBC e o Mediazona dizem que conseguiram confirmar apenas uma parcela dos militares russos que de fato perderam a vida no conflito. Ou seja, se adicionados à conta os combatentes cujos nomes e mortes não foram oficializados, “o número real de mortes russas provavelmente será muito maior.”

Cerimônia das Forças Armadas da Rússia em homenagem a militares mortos (Foto: Facebook/mod.mil.rus)

Os dados foram atualizados pela última vez no dia 23 de maio, com 54.185 mortes confirmadas. Desses, apenas 45 mil tiveram suas idades apuradas, sendo a faixa de maior mortalidade entre 33 e 35 anos: 5.594 mortes. Esse número, porém, não é muito superior ao de jovens de até 24 anos vitimados pelo conflito: 4.975.

Segundo o relatório fruto da investigação, “nos primeiros seis meses de conflito, caracterizados pelo destacamento de forças militares regulares sem a inclusão de voluntários, tropas mobilizadas ou prisioneiros, o número mais significativo de mortes ocorreu na faixa etária dos 21 aos 23 anos.”

A partir dali, Moscou passou a adotar métodos diversos para reforçar suas fileiras. Entre eles, a mobilização parcial, que teve início em setembro de 2022 e obrigou cerca de 300 mil homens a se juntar ao exército russo. Também foram aceitos criminosos condenados, que tiveram suas penas anuladas em troca de seis meses de serviço militar.

A vítima mais jovem do lado russo

Entretanto, nem todos os combatentes ingressaram nas Forças Armadas da Rússia por imposição estatal ou em troca de perdão por seus crimes. Entre os militares profissionais, com contrato assinado, há muitos que se voluntariaram para combater após iniciada a guerra. É o caso de Daniil Yermolenko, de apenas 18 anos, morto em 4 de abril e até agora a vítima mais jovem registrada do lado russo na guerra.

O jornal The Guardian contou a história do jovem, que segundo o irmão dele “mal podia esperar para se juntar aos combates.” Ele se alistou já neste ano, tão logo atingiu a maioridade, e é a única vítima de que se tem notícia nascida em 2006. Queria acompanhar o irmão Maksim, que havia se juntado aos militares em 2022.

“Ele queria seguir meu exemplo e se alistar. Eu o avisei que a guerra não é bonita, mas mentalmente ele estava pronto”, disse Maksim. “Ele sempre disse que queria combater os nazis e os fascistas lá”, acrescentou, dizendo-se orgulhoso da decisão do caçula.

A morte de Daniil ocorreu após ele se separar de sua unidade em meio a um ataque ucraniano. Cercado por fogo inimigo, conseguiu entrar em contato com a base e avisou que estava sem opção de fuga. “É isso, pessoal. Estou condenado”, teria dito. O corpo foi entregue à família na semana passada, para uma cerimônia com a presença de uma orquestra militar.

A “geração P”

O grupo etário do qual  Daniil fazia parte é conhecido na Rússia como “geração P”, referência ao fato de terem conhecido apenas o país governado pelo presidente Vladimir Putin, que assumiu o poder em 2000. Considerando os dados fornecidos pela BBC e o Mediazona, eles representam quase 10% das mortes confirmadas do lado russo até aqui.

E, no que depender do Kremlin, tal porcentagem não diminuirá. O governo já reduziu a idade mínima de alistamento para 18 anos e vem fortalecendo a propaganda estatal para convencer cada vez mais jovens a lutar. Em agosto de 2022, por exemplo, Moscou anunciou a construção de um enorme complexo militar-patriótico de educação para jovens na região de Vologda.

O local disponibiliza a estudantes do ensino médio e universitários práticas de tiro esportivo, os ensina a desenvolver habilidades de navegação, oferece conhecimento em robótica e uso de drones. Segundo o governador Oleg Kuvshinnikov, trata-se do maior centro metodológico de preparação para o ingresso nas Forças Armadas do país.

O objetivo, diz ele, é criar “uma nova geração de cidadãos leais”. Para tanto, o país já contava com um Exército da Juventude, o “Yunarmia”, que está em franca expansão. Também tem programação de televisão voltada aos jovens e leis educacionais que incluem ensino de patriotismo e história de guerra.

“O horror. O horror”

Nem todos os combatentes, entretanto, encaram o voluntariado militar como uma decisão acertada. Um vídeo que viralizou nas redes sociais recentemente, feito por um soldado não identificado, classifica a guerra como um “inferno” e desencoraja os russos a se alistar.

“Você vai ganhar dinheiro”, alerta o militar nas imagens, destacando a questão financeira como outra estratégia adotada por Moscou para seduzir os jovens. “Mas você achou que seria fácil? Caramba, não!”

De acordo com o soldado, aqueles que buscam heroísmo estão no lugar errado, pois logo confrontarão o horror da morte e da violência no campo de batalha. Ele descreveu a experiência como “mais do que medo”, um trauma que os recrutas precisarão superar para evitar a deserção ou a captura.

“Eu só quero explicar às pessoas o que está acontecendo aqui”, acrescentou ele, avaliando que a situação não se assemelha à Segunda Guerra Mundial, “onde você simplesmente ia matar alemães”. Esta, porém, é uma “guerra moderna”, diz, na qual é crucial estar atento a munições cluster, drones e bombardeios.

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