Redes clandestinas lideradas por cidadãos russos ajudam ucranianos a fugir

Civis fugindo dos bombardeios temem ser enviados à Rússia contra a vontade. Há relatos de ucranianos mandados para a Sibéria

Deslocados pelos bombardeios russos, muitos ucranianos têm sido obrigados a fugir de suas casas rumo a territórios atualmente controlados por Moscou. Uma vez nessas regiões, como é o caso do sudeste da Ucrânia, precisam elaborar um novo plano de fuga, sob o risco de ficarem à mercê das forças de ocupação da Rússia. Em muitos casos, essa missão tem sido facilitada justamente por cidadãos russos que criaram redes clandestinas de apoio aos refugiados, segundo a agência Reuters.

Bogdan Goncharov é um ucraniano que passou por essa situação com a mulher e a filha de sete anos. Após ouvir relatos de que outros refugiados tinham sido mandados para a Sibéria, contra a própria vontade, ele contou com a ajuda de voluntários russos e consegui chegar à Estônia, onde está em segurança. “É um milagre termos saído”, disse ele. “Foi graças aos voluntários”.

O trabalho dos voluntários russos é apontar rotas seguras de viagem, oferecer dinheiro, transporte e acomodação ao longo do caminho. Nove pessoas, entre voluntários e refugiados, confirmaram a existência dessas redes clandestinas.

“Todos nós temos esse sentimento constante de culpa”, disse Maria Belkina, cidadã russa que mora na Geórgia e lidera um grupo chamado Volunteers Tbilisi (Voluntários de Tblisi, em tradução livre), que ela diz ter ajudado 300 ucranianos a deixar a Rússia. “Muitas pessoas da Rússia estão escrevendo e perguntando: ‘De que maneira posso ajudar?’”, conta.

Ucranianos aguardam evacuação na cidade de Kramatorsk, região de Donetsk, Ucrânia (Foto: Andrii Magomedov/Unicef)

Embora a legislação russa não proíba o apoio dado aos ucranianos, entidades que atuem com esse objetivo podem entrar na mira do governo, acusadas de realizar atividades prejudiciais aos interesses do país. Mesmo cidadãos que agem individualmente temem a repressão, vez que o governo tem perseguido ferozmente aqueles que discordem da guerra e contestem a atuação das forças armadas.

Irina Gurskaya, uma mulher que ajudou dezenas de pessoas a chegar à Estônia, decidiu parar após passar horas em poder da polícia, sem direito a um advogado. Uma testemunha diz que não houve acusação formal contra ela, que integrava o grupo Rubikus.

Oficialmente, o presidente Vladimir Putin afirmou em 26 de abril que os ucranianos ajudados por tropas russas a deixar suas casas têm liberdade para escolher aonde querem ir. Entretanto, voluntários do grupo Helping to Leave (Ajudando a Partir, em tradução literal) relatam casos de pessoas pressionadas por soldados russos e ir para um determinado local mesmo contra sua vontade.

Goncharov e a família, que viviam em Mariupol, cidade portuária devastada pelos bombardeios russos, diz que soube de inúmeros casos assim. Alguns ucranianos, segundo ele, foram enviados a Sakha, na Sibéria. Já outro grupo de 50 refugiados teve que seguir para Taimyr, no Oceano Ártico. Como ele estava na Crimeia, ocupada pela Rússia desde 2014, temeu engrossar essa estatística.

Foi o grupo Helping to Leave que ajudou Goncharov a fugir. Desde que saiu de Mariupol até chegar à Estônia, ele conta que três semanas se passaram. Quando estava perto de atingir o objetivo, temeu que o plano daria errado. Antes de cruzar a fronteira, foi questionado por soldados russos se teria algum vínculo com o governo da Ucrânia. Conseguindo convencê-los de que estava apenas buscando abrigo, foi autorizado a ingressar em território estoniano.

Por que isso importa?

A escalada de tensão entre Rússia e Ucrânia, que culminou com a efetiva invasão russa ao país vizinho, no dia 24 de fevereiro, remete à anexação da Crimeia pelos russos, em 2014, e à guerra em Donbass, que começou naquele mesmo an. Aquele conflito foi usado por Vladimir Putin como argumento para justificar a invasão integral, classificada por ele como uma “operação militar especial”.

“Tomei a decisão de uma operação militar especial”, disse Putin pouco depois das 6h de Moscou (0h de Brasília) de 24 de fevereiro. Cerca de 30 minutos depois, as primeira explosões foram ouvidas em Kiev, capital ucraniana, e logo em seguida em Mariupol, no leste do país.

No início da ofensiva, o objetivo das forças russas era dominar Kiev, alvo de constantes bombardeios. Entretanto, diante da inesperada resistência ucraniana, a Rússia foi forçada a mudar sua estratégia. As tropas, então, começaram a se afastar de Kiev e a se concentrar mais no leste ucraniano, a fim de tentar assumir definitivamente o controle de Donbass e de outros locais estratégicos naquela região.

Em meio ao conflito, o governo da Ucrânia e as nações ocidentais passaram a acusar Moscou de atacar inclusive alvos civis, como hospitais e escolas, dando início a investigações de crimes de guerra ou contra a humanidade cometidos pelos soldados do Kremlin.

O episódio que mais pesou para as acusações foi o massacre de Bucha, cidade ucraniana em cujas ruas foram encontrados dezenas de corpos após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

O jornal The New York Times realizou uma investigação com base em imagens de satélite e associou as mortes em Bucha a tropas russas. As fotos mostram objetos de tamanho compatível com um corpo humano na rua Yablonska, entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.

Fora do campo de batalha, a Rússia tem sido alvo de todo tipo de sanções. As esperadas punições financeiras impostas pelas principais potencias globais já começaram a sufocar a economia russa, e o país tem se tornado um pária global. Desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, mais de 600 empresas ocidentais deixaram de operar na Rússia, seja de maneira temporária ou definitiva, parcial ou integral.

Os mortos de Putin

Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.

Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.

A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.

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