Relatório da ONU detalha ‘clima de medo’ em áreas ocupadas pela Rússia na Ucrânia

Documento relata abusos das forças russas, cita tentativa de apagar a cultura ucraniana e afirma que até Kiev age mal com seus cidadãos

Conteúdo adaptado de material publicado originalmente em inglês pela ONU News

A Rússia incutiu uma atmosfera generalizada de medo nas regiões ocupadas da Ucrânia, perpetrando violações flagrantes das leis humanitárias internacionais e dos direitos humanos, numa tentativa de consolidar o seu controle. É o que diz um novo relatório do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) divulgado na quarta-feira (20).

Com base em mais de 2,3 mil depoimentos de vítimas e testemunhas, o relatório detalha as medidas tomadas pela Rússia para impor a língua russa, a cidadania, as leis, o sistema judicial e os currículos educativos nas áreas ocupadas, ao mesmo tempo que suprime expressões da cultura e identidade ucranianas e desmantela os seus sistemas de governo e administrativos.

“As ações da Federação Russa romperam o tecido social das comunidades e deixaram os indivíduos isolados, com consequências profundas e duradouras para a sociedade ucraniana como um todo”, afirmou o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk.

Embora a Federação Russa tenha iniciado a anexação do território ucraniano na Crimeia em 2014, o relatório concentra-se nas consequências da invasão em grande escala em fevereiro de 2022.

Violações generalizadas

As forças armadas russas, operando com “impunidade generalizada”, cometeram violações generalizadas, incluindo detenções arbitrárias, muitas vezes acompanhadas de tortura e maus-tratos, culminando por vezes em desaparecimentos forçados.

“Embora as Forças Armadas russas tenham inicialmente como alvo indivíduos considerados como representando uma ameaça à segurança, ao longo do tempo uma rede mais ampla foi lançada para incluir qualquer pessoa considerada opositora à ocupação”, disse o ACNUDH num comunicado de imprensa que acompanha o relatório.

Em Volnovakha, uma mulher sofre do lado de fora de um edifício danificado nos combates entre forças russas e ucranianas (Foto: manhhai/Flickr)

Os protestos pacíficos foram reprimidos, a liberdade de expressão restringida e os movimentos dos residentes severamente restringidos, acrescentou, observando também que casas e empresas foram saqueadas e a internet e as redes de comunicação ucranianas foram encerradas, cortando os laços com fontes de notícias independentes e isolando a população.

“As pessoas foram encorajadas a denunciar umas às outras, deixando-as com medo até dos seus próprios amigos e vizinhos”, diz o texto.

Crianças mais afetadas

De acordo com o relatório, as crianças suportaram o peso do impacto, com os currículos ucranianos substituídos pelos currículos russos em muitas escolas e com a introdução de manuais com narrativas que procuram justificar o ataque armado à Ucrânia.

A Rússia também alistou crianças em grupos de jovens para inculcar a expressão russa de patriotismo.

O relatório acrescenta que os residentes das áreas ocupadas foram coagidos a obter passaportes russos. Aqueles que se recusaram foram isolados, enfrentando restrições mais severas à sua circulação, e foram progressivamente negados emprego no setor público, acesso a cuidados de saúde e benefícios de segurança social.

Economia local em colapso

O relatório também detalhou a situação nas áreas recapturadas pelas forças ucranianas no final de 2022, incluindo Mykolaiv e partes das regiões de Kharkiv e Kherson.

“A invasão, ocupação e subsequente recaptura destas áreas pela Ucrânia deixaram para trás casas e infraestruturas danificadas, terras contaminadas por minas e restos explosivos de guerra, recursos pilhados, uma economia local em colapso e uma comunidade traumatizada e desconfiada”, afirma o relatório.

Acrescentou que o governo ucraniano enfrentou o desafio de reconstruir e restaurar serviços nestas áreas, ao mesmo tempo que teve de lidar com legados de violações do direito internacional humanitário e d leis internacionais dos direitos humanos durante a ocupação.

Disposição jurídica ucraniana “excessivamente ampla”

O relatório também expressou preocupação com o fato de uma “disposição excessivamente ampla e imprecisa” do Código Penal Ucraniano ter levado a que pessoas fossem processadas sob a acusação de colaboração com as autoridades de ocupação por ações que podem ser legalmente impostas pelos ocupantes ao abrigo do direito humanitário internacional, tais como trabalhar para garantir serviços essenciais.

“Tais processos judiciais levaram tragicamente a que algumas pessoas fossem vítimas duas vezes: primeiro durante a ocupação russa, depois novamente quando são processados ​​por colaboração”, advertiu Türk, instando a Ucrânia a rever a sua abordagem a tais processos.

Reiterou ainda o seu apelo à Rússia para que cesse imediatamente o seu ataque armado contra a Ucrânia e se retire para fronteiras internacionalmente reconhecidas, em conformidade com as resoluções relevantes da Assembleia Geral da ONU e o direito internacional.

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