Rússia mantém milhares de ucranianos presos arbitrariamente, com relatos de maus-tratos e execuções

Cerca de oito mil civis são atualmente mantidos em centros de detenção na Rússia, em Belarus e em territórios ucranianos ocupados

Milhares de civis ucranianos estão presos arbitrariamente em centros de detenção na Rússia, em Belarus e em territórios da Ucrânia ocupados pelas forças russas. As instalações invariavelmente não têm condições adequadas, e são frequentes os relatos de maus-tratos e inclusive de execuções sumárias. É o que aponta uma investigação conduzida pela agência Associated Press (AP).

Grupos humanitários, entre eles o Gulagu.net, que documenta a violência estatal na Rússia, ajudaram a identificar mais de uma centena de centros de detenção. Com base em imagens de satélite, documentos governamentais e da Cruz Vermelha, relatos em redes sociais e depoimentos de testemunhas, foi possível desenhar um mapa com 40 prisões na Rússia e em Belarus e 63 em territórios ucranianos ocupados.

Um relatório publicado em junho pelo Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) foi ainda mais abrangente e preciso, relatando 35 estabelecimentos no território russo, dois no belarusso e 124 nas regiões ocupadas da Ucrânia.

Moscou ainda planeja erguer 25 novos centros em território russo e seis em áreas ocupadas, segundo documentos do governo obtidos pela reportagem. Um decreto assinado pelo presidente Vladimir Putin também permite que civis sejam enviados de áreas com lei marcial, casos dos territórios ucranianos, para outros sem lei marcial, caso da Rússia.

Mulher ao lado de blindado russo destruído em Bucha, nos arredores de Kiev (Foto: manhhai/Flickr)

As justificativas para detenção dos ucranianos são por vezes banais, como se comunicar em ucraniano e não em russo. Mas em muitos casos sequer existe um causa. Jovens são um alvo preferencial, devido ao potencial para se tornarem combatentes. Determinados presos são acusados de terrorismo ou de “resistir à operação militar especial”, eufemismo usado pelo Kremlin para se referir à guerra.

Kiev estima que até dez mil pessoas estejam presas atualmente, inclusive cidadãos russos acusados de crimes relacionados à guerra. Já Vladimir Osechkin, ativista russo de direitos humanos que comanda o Gulagu.net, afirma que existem cerca quatro mil civis mantidos em territórios ocupados e outros quatro mil na Rússia.

Moscou, que não reconhece oficialmente a existência desses centros de detenção nem a manutenção dos prisioneiros, usa os ucranianos, detidos sem qualquer procedimento judicial, para eventualmente usá-los em trocas de prisioneiros com Kiev. As Nações Unidas relatam inclusive casos de pessoas usadas como escudo humano em combate.

A apuração da AP foi feita com base em fontes diversas. Entrevistas com testemunhas e material coletado em redes sociais permitiram constatar os abusos rotineiros nos centros de detenção. Os civis são torturados com choques elétricos e espancamentos, uma violência que em determinados casos gera fraturas nas costelas ou no crânio.

Outro abuso comum nessas instalações é o uso dos presos para trabalho forçado, como a construção de trincheiras usadas na guerra. Durante o serviço, não raramente eles são obrigados a vestir uniformes das forças armadas russas, o que os torna possíveis alvos de disparos feitos pelo exército da Ucrânia. Mortes não são raras na detenção, inclusive execuções sumárias de presos que se recusam a trabalhar.

O relatório da ONU já havia relatado as mortes. “Em particular, o ACNUDH está seriamente preocupado com a execução sumária de 77 civis (72 homens e 5 mulheres) enquanto eram detidos arbitrariamente pela Federação Russa, e com a morte de um detido (um homem) como resultado de tortura, condições desumanas de detenção e/ou negação de cuidados médicos necessários”, diz o documento.

A situação pode configurar crime de guerra ou crime contra a humanidade. As Convenções de Genebra, núcleo do direito internacional humanitário, proíbem a detenção arbitrária ou a deportação forçada de civis. Por lei, os detidos devem ter permissão para se comunicar com familiares. Também têm o direito a aconselhamento jurídico e a contestar as acusações, circunstâncias que Moscou aparentemente não respeita.

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