Russos enfrentam repressão de Putin e se arriscam para protestar contra a guerra

Mesmo sob ameaça, cidadãos fazem protestos solitários nas ruas, colocam textos antiguerra no dinheiro e até se recusam a lutar

Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Ainda assim, muitos russos enfrentam a repressão e o risco de serem presos, protestando de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito. As informações são da rede Radio Free Europe.

Nos últimos anos, os protestos coletivos praticamente desapareceram das ruas da Rússia. Isso porque o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo. Durante a guerra, nem mesmo a violenta repressão das forças estatais têm impedido cenas assim.

Dentro da severa legislação para controle das manifestações na Rússia, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil), com possível pena de prisão por até 30 dias. Já uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”. A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.

Manifestantes nas ruas de São Petersburgo (Foto: Twitter/Reprodução)

Protestos de todo o tipo

Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.

Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no domingo passado (27). Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.

Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também no domingo passado (27), dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.

Já Marina Dubrova, uma professora de inglês da cidade de Korsakov, disse aos alunos que é contra a guerra. A declaração dela foi filmada por alunos e entregue à direção da escola, que repassou às autoridades. Ela foi presa e multada em 30 mil rublos (R$ 1,69 mil) por ter infringido a lei que pune aqueles que “desacreditam as forças armadas russas”.

A multa foi a mesma aplicada a um moradora de Moscou detida por usar um chapéu amarelo e azul e um coração nas cores da bandeira da Ucrânia. Segundo o processo movido pela Justiça russa, a acusada “expôs peças de vestuário e um distintivo pintado com as cores da bandeira da República da Ucrânia em local público, expressando uma atitude claramente negativa em relação às Forças Armadas da Federação Russa e atraindo a atenção da mídia e dos blogueiros”.

A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.

No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França.

Ovsyannikova no momento do protesto ao vivo na TV russa (Foto: Piervy Kanal/Captura de tela)

Têm sido registrados até mesmo protestos de pessoas que não são necessariamente contra a guerra. Caso de um grupo de seis mulheres que bloquearam a passagem de veículos em uma ponte de uma pequena cidade na região de de Karachai-Cherkessia, no sul do país, no dia 20 de março. Elas exigiam informações do governo sobre soldados que foram enviados à Ucrânia e não voltaram a se comunicar com os familiares desde então. Foram presas por realizarem uma manifestação política não autorizada.

Na região de Krasnodar, 12 agentes da guarda nacional protestaram contra o governo porque receberam ordens para embarcar rumo à Ucrânia e reforçar as tropas russas na guerra. Eles alegaram que, pelo fato de integrarem um destacamento civil, a convocação feita pelo exercito era irregular. Assim, se recusaram a obedecer e acabaram demitidos. Segundo o advogado Mikhail Benyash, têm se acumulado os casos de outros membros da guarda nacional que se recusam a lutar.

Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.

60 processos, 15 mil presos

O protesto é uma maneira de manter acesa a chama da insatisfação popular de forma anônima, evitando que os manifestantes virem parte da estatística de mais de 15 mil cidadãos presos até agora por oposição ao conflito com os vizinhos, segundo a OVD-Info, organização de direitos humanos que monitora as prisões na Rússia.

De acordo com a Anistia Internacional, pelo menos 60 processos criminais foram iniciados em função de protestos pacíficos contra a guerra ou de críticas públicas às autoridades. “O Kremlin procura esmagar aqueles que se opõem ao conflito, ou pelo menos criar a impressão de que tal resistência não existe”, diz Marie Struthers, diretora regional para a Europa Oriental e Ásia Central da ONG.

Os mortos de Putin

Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia

Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.

A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.

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