Vladimir Putin perdeu a aura de intocável após motim na Rússia, de acordo com analistas

Antony Blinken diz que "rachaduras surgiram na fachada", e ex-ministro russo vê Moscou "no limiar de uma grande mudança"

O fim do motim do Wagner Group na Rússia, no sábado (24), marcou uma pequena vitória do presidente Vladimir Putin. Ele forçou o líder golpista Evgeny Prigozhin a se exilar em Belarus e praticamente selou o destino da organização paramilitar privada, que a partir de agora opera sob o guarda-chuva do Kremlin. Entretanto, na visão de muitos analistas, o golpe frustrado prejudicou a imagem do líder russo, que não mais sustenta a aura de intocável.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que “mais rachaduras surgiram na fachada russa” devido ao motim. Em entrevista à rede NBC News, no domingo (25), ele classificou o episódio como “extraordinário”. E acrescentou: “O que vimos foi a Rússia tendo que defender Moscou, sua capital, contra mercenários de sua própria autoria.”

Ele destacou ainda o fato de que o líder golpista Evgeny Prigozhin, pouco antes de iniciar a revolta, fez coro com o movimento antiguerra global ao contestar as justificativas dadas por Moscou para invadir a Ucrânia. “Vimos surgir questões profundas sobre as próprias premissas dessa agressão russa contra a Ucrânia que Prigozhin trouxe à tona publicamente, bem como um desafio direto à autoridade de Putin”, afirmou Blinken.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, março de 2022: poder ameaçado? (Foto: WikiCommons)

“Então, acho que vimos que mais rachaduras surgiram na fachada russa. É muito cedo para dizer exatamente para onde vão e quando chegam, mas certamente temos todo tipo de novas questões que Putin terá de abordar nas próximas semanas e meses”, disse o secretário de Estado norte-americano.

Opinião semelhante expressou Antonio Tajani, vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores da Itália. “O mito da unidade da Rússia de Putin acabou”, disse ele ao jornal italiano Il Messagero. “Essa escalada interna divide o desdobramento militar russo. É o resultado inevitável quando você apoia e financia uma legião de mercenários.”

Andrei Nechaev, ex-ministro do Desenvolvimento Econômico da Rússia, afirmou que o maior erro de Putin foi ter prometido punir duramente Prigozhin e depois perdoá-lo. “A lei perdeu todo o poder. Mesmo crimes graves não serão punidos por conveniência política. De manhã, você pode ser declarado traidor. À noite, você pode ser perdoado e o processo criminal contra você arquivado”, disse ele, segundo a rede BBC. “O país está claramente no limiar de uma grande mudança”, completou.

Quem também destacou o acordo entre Putin e Prigozhin, intermediado pelo presidente belarusso Alexander Lukashenko, foi Steven Pifer, ex-embaixador dos EUA na Ucrânia. Segundo ele, o desfecho do episódio fara com que Putin passe a ser visto como “mercadoria danificada”. Porém, ele deu a entender que a promessa de perdão ao líder golpista pode esconder alguma armadilha. “Há claramente mais por trás desse “acordo” do que entendemos”, afirmou o analista ao site Politico.

Em artigo publicado no jornal Financial Times, Chris Donnelly, ex-conselheiro da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), sobre a Rússia, disse que “Putin achará difícil, talvez impossível, reconstruir sua imagem aos olhos do povo russo.” Projetou ainda que a Rússia agora “enfrenta um período de considerável incerteza”, para então concluir: “A insurreição de Prigozhin pode ter acabado, mas o drama está apenas começando.”

Konstantin Remchukov, proprietário e editor-chefe do jornal privado Nezavisimaya Gazeta, um dos principais diários da Rússia, lembrou que o mandato de Putin termina no ano que vem. “Todos os grupos de elite agora começarão a pensar nas eleições presidenciais de 2024”, disse ele à BBC. “Eles vão se perguntar se devem confiar em Vladimir Putin, como têm feito até este golpe militar. Ou devem pensar em alguém novo, capaz de lidar com os problemas de uma forma mais contemporânea?”

Mas a opinião mais radical partiu de Konstantin Eggert, jornalista independente e analista político russo ouvido pela rede Radio Free Europe (RFE). “Acho que o regime de Putin, como o conhecíamos, acabou, e algo novo está começando na Rússia”, disse ele. “Acho que não podemos mais presumir que Putin está no controle total do país e que é realmente o mestre de seu destino.”

Eggert, no entanto, habitualmente faz projeções exageradas. Em março de 2022, ao analisar a aliança entre Rússia e Belarus, chegou a prever que Moscou “absorveria” o país vizinho ” de uma forma ou de outra”, mesmo que eventualmente permanecesse no mapa com Lukashenko no governo. Hoje, tal cenário é impensável, vez que o regime belarusso ganhou força após intermediar a rendição do Wagner.

Nem todos, porém, fazem previsões pessimistas para o futuro de Putin. Erica Frantz, professora associada de ciência política na Universidade Michigan State, dos EUA, disse ao site Politico que, assim que a turbulência for controlada na Rússia, o presidente “provavelmente emergirá ainda mais forte em termos de ameaças internas imediatas ao seu governo.”

Ela explicou sua posição: “Quando ditadores sobrevivem a desafios públicos como esse, eles geralmente intensificam a repressão no período seguinte e se envolvem em campanhas radicais para sinalizar sua força.”

Tags: