Esse artigo foi publicado originalmente pelas Nações Unidas.
de Atul Khare e Jean-Pierre Lacroix*
As operações de paz das Nações Unidas promovem estabilidade e segurança em alguns dos lugares mais perigosos e vulneráveis do mundo.
Antes da pandemia de Covid-19, as forças de paz da ONU – civis, militares e policiais – eram uma fina linha azul ajudando a proteger civis, contribuindo com acordos de paz e contendo conflitos em pontos de tensão e zonas de guerra em todo o mundo.
Se – ou mais provavelmente, quando – o vírus da Covid-19 se espalhar ainda mais em países já enfraquecidos pela guerra e pela pobreza, ele não apenas ameaçará a vida de milhares de pessoas, mas também poderá pender a frágil balança da paz de volta para o conflito e o desespero.
As comunidades que estão se recuperando de conflitos geralmente encontram-se na linha da sobrevivência, enfrentando todos os dias a pobreza e a ausência de prestação de serviços básicos de saúde. Para essas comunidades, os riscos não poderiam ser maiores e a importância do apoio da ONU nunca foi tão grande.
Para que a luta global contra a Covid-19 alcance áreas que sofrem para superar conflitos, precisamos continuar assegurando e promovendo a paz e a estabilidade.
Juntamente com nossos parceiros, as missões de paz da ONU estão trabalhando para alcançar quatro objetivos: apoiar os esforços locais para combater a disseminação do novo coronavírus; manter os funcionários da ONU seguros e garantir que eles recebam o melhor atendimento disponível, por meio do aumento da capacidade de testes e tratamentos médicos; garantir que as forças de paz possam continuar seu trabalho sem disseminar o vírus, praticando o distanciamento social e outras medidas de mitigação; e promover os difíceis mandatos de apoiar a paz e conter conflitos, mesmo diante da propagação da Covid-19.
Como o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse recentemente ao Conselho de Segurança, essa pandemia pode potencialmente levar a um aumento da inquietação social, um lapso na autoridade do Estado e até à violência, o que prejudicaria enormemente nossas capacidades conjuntas de combater o vírus.
Para os países que têm poucos ventiladores para milhões de pessoas, a possibilidade de que uma em cada 1 mil pessoas possa contrair a Covid-19 e que 15% delas precisem de cuidados em uma unidade de terapia intensiva, é alarmante.
As estatísticas brutais da Covid-19 não refletem apenas uma crise de saúde global – elas sinalizam uma ameaça fundamental à manutenção da paz e da segurança internacionais.
Estamos comprometidos em garantir que nossas operações de paz façam tudo o que estiver ao seu alcance para ser parte integrante da solução desta pandemia. Da República Centro-Africana ao Líbano, da Somália ao Mali, nosso pessoal continua trabalhando.
Eles estão fazendo isso de forma corajosa e com dedicação, mantendo-se na linha de frente mesmo enquanto se preocupam com suas famílias em casa, mesmo quando as linhas aéreas e cadeias de abastecimento estão sobrecarregadas pela resposta global à Covid-19, mesmo quando casos aparecem nos países anfitriões.
A força de nossas parcerias para a manutenção da paz – sejam outros membros da ONU, ONGs ou organizações regionais como a União Africana (UA) – nunca foi tão importante.
Apesar das crescentes demandas das nossas forças de manutenção da paz para cumprir seus mandatos, devemos reconhecer que nossos parceiros também enfrentam os riscos dessa pandemia.
Nossas missões de paz oferecem uma infraestrutura médica que pode dar suporte a todo o pessoal da ONU com risco de contaminação pelo vírus enquanto eles continuam seu trabalho. Proteger-nos é a chave para proteger os outros.
Também estamos fazendo todo o possível para manter a resiliência da nossa cadeia de suprimentos. Nossos especialistas em logística desenvolveram um plano de continuidade de negócios para necessidades básicas, garantindo o planejamento, provisão e entrega de bens e serviços essenciais para a implementação dos mandatos de paz.
Equipamentos de proteção individual estão sendo disponibilizados em todas as nossas missões; estamos fornecendo nossos próprios ventiladores respiratórios e assegurando que a capacidade das unidades de terapia intensiva e suprimentos seja suficiente para garantir que não sobrecarreguemos os recursos locais já altamente onerados.
Também estamos fortalecendo as capacidades de evacuação médica em estreita colaboração com nossos parceiros e Estados-membros da ONU. Medidas estritas de distanciamento social estão em vigor e as missões estão reduzindo seu “rastro”, diminuindo a densidade populacional entre o pessoal uniformizado e civil.
Embora nossas missões devam se proteger da Covid-19, elas continuam em contato com as comunidades locais, protegendo os civis e ajudando os governos anfitriões a conter o vírus. A Rádio Okapi, estação de rádio da ONU na República Democrática do Congo, lançou uma campanha multilíngue em todo o país para informar a população local sobre a Covid-19, com foco em dissipar rumores e combater a desinformação.
Em Darfur, nossa operação está conscientizando os grupos vulneráveis sobre a importância de medidas preventivas para controlar a disseminação da Covid-19, inclusive em campos para pessoas deslocadas internamente no norte e centro da região, onde os riscos de propagação de infecções são grandes. No Chipre, nossa missão é trabalhar com organizações de mulheres para apoiar as vítimas de violência doméstica durante a quarentena.
Ao mesmo tempo, os capacetes-azuis continuam realizando suas tarefas anteriores à Covid-19: proteger civis, apoiar processos políticos e ajudar a aumentar a governabilidade. Na República Democrática do Congo, as forças de paz recentemente ajudaram a libertar 38 civis, incluindo mulheres e crianças, sequestrados por um grupo armado no leste do país, enquanto ajudavam o exército nacional a repelir um ataque.
No Mali, há duas semanas, quando o governo decidiu que era importante avançar com as eleições legislativas, nossa missão forneceu apoio logístico e operacional crítico e ajudou a garantir segurança nas seções eleitorais no dia das eleições.
Na Somália, a ONU tem apoiado os soldados da União Africana e o governo no desenvolvimento de seus próprios planos de preparação e resposta à Covid-19, enquanto trabalha para garantir que grupos terroristas não aproveitem a oportunidade para atacar enquanto a atenção estiver focada na resposta à pandemia.
A luta contra a Covid-19 pode ser uma “segunda frente” para as forças de manutenção da paz, mas as duas batalhas continuam.
Na semana passada, o secretário-geral da ONU decidiu suspender a rotação de todas as nossas tropas e unidades policiais até 30 de junho. Tais medidas manterão nossos capacetes-azuis no terreno, onde eles são mais necessários, e ajudarão a proteger e tranquilizar comunidades e colegas da ONU, adiando o movimento de milhares de pessoas de e para seus países de origem e pontos de trânsito.
Esta é uma decisão que não é tomada de maneira leviana, dado que as áreas nas quais as forças de paz se encontram são normalmente afastadas, complexas e perigosas. Ficar em campo é um sacrifício para o pessoal que esperava voltar para casa após uma árdua missão.
Somos gratos que os países que fornecem esses policiais e militares concordaram com essa medida para que nossas operações de paz possam ser mantidas, garantindo a paz e minimizando o risco de contágio pela Covid-19. Estamos fazendo todo o possível para apoiar nossos bravos homens e mulheres, para que eles possam manter a si e a suas comunidades seguros.
Como disse o secretário-geral da ONU quando pediu um cessar-fogo global, deve haver apenas uma luta no mundo hoje: nossa batalha compartilhada contra a Covid-19.
Para a manutenção da paz, isso inclui nosso compromisso inabalável com a saúde e a segurança do nosso pessoal e das pessoas a quem servimos. É por isso que as forças de paz da ONU devem continuar seu importante trabalho. E é por isso que agora, mais do que nunca, eles precisam do nosso total apoio.
*Atul Khare é subsecretário-geral do Departamento de Apoio Operacional da ONU. Jean-Pierre Lacroix é subsecretário-geral do Departamento de Operações de Paz da ONU.
No Brasil
Casos mostram que o país é um “porto seguro” para extremistas. Em dezembro de 2013, um levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino. Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos. Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram. Saiba mais.