Com EI derrotado, EUA anunciam o fim da operação militar da coalizão no Iraque

Iraque assume a liderança no combate ao grupo extremista, mas continuará a receber armamento, treinamento e inteligência

O Comando Central dos Estados Unidos, responsável por operações militares em regiões como a Ásia Central e o Golfo Pérsico, confirmou na última sexta-feira (4) o fim da finalidade de combate da coalizão liderada por Washington contra o Estado Islâmico (EI) no Iraque. A aliança não será desfeita, mas a partir de agora oferecerá apenas “assessoria, assistência e capacitação” às forças de segurança iraquianas.

A mudança de foco deve-se ao fato de que a coalizão atingiu seu objetivo militar. “A convite do Iraque, a coalizão degradou, desmantelou e, finalmente, destruiu o ‘califado’ territorial do Daesh (sigla em árabe para Estado Islâmico) em 2017”, disse o major-general John W. Brennan Jr., comandante da força de coalização.

O militar afirmou que a aliança se mantém, mas com outro foco. “Embora esteja derrotado militarmente, o Daesh continua sendo uma ameaça existencial para a região”, disse ele, citando a tentativa do grupo de tomar a prisão de Ghwayran, na cidade de al-Hasakah, na Síria. “Continuaremos a aconselhar, ajudar e permitir que nossas forças parceiras garantam que o Daesh não possa se regenerar no Iraque ou na Síria”.

Forças dos EUA em Buhriz, Iraque, em março de 2007 (Foto: U.S. Air Force/Stacy L. Pearsall)

Na prática, caberá à coalizão fornecer armamento, inteligência e treinamento às forças de segurança do Iraque, que ficam militarmente incumbidas do enfrentamento ao EI. Somente no ano passado, a aliança, que é formada por 77 países, administrou um fundo de US$ 710 milhões usado no combate ao grupo extremista no Iraque e na Síria.

“Nossos parceiros demonstraram grande dedicação e compromisso em derrotar o Daesh e têm realizado operações cada vez mais complexas, de forma independente, com os equipamentos, munições, armas e veículos que nossa coalizão forneceu como assistência”, afirmou o brigadeiro britânico Karl Harris, vice-comandante da coalizão.

Brennan Jr. reforçou o discurso do colega britânico: “Embora não operemos mais no nível tático e não operemos mais em nossas próprias bases no Iraque, nossa coalizão traz uma enorme quantidade de recursos que podem permitir que nossas forças parceiras superem o Daesh e garantam que ele nunca mais se regenere para ameaçar a região”.

Por que isso importa?

Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o EI e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como as limitações impostas às viagens internacionais e a redução do número de pessoas em áreas públicas.

Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas têm investido em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.

O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.

Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.

Em janeiro deste ano, o exército norte-americano anunciou ter matado Amir Muhammad Sa’id Abdal-Rahman al-Mawla, principal líder da facção, durante uma operação antiterrorismo na Síria. Foi mais um duro golpe contra o EI, que em 2019 havia perdido o líder anterior, Abu Bakr al-Baghdadi.

Assim, o principal reduto do EI tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-ShabaabISWAPEIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global da organização, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.

A Al-Qaeda, por sua vez, passou a contar com um forte aliado no Afeganistão, que desde a tomada de poder pelo Taleban abriu as portas do país para os extremistas do grupo. Grupos afiliados à organização terrorista também continuam a controlar o noroeste da Síria, na área de Idlib.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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